Terça feira de vigésima oitava semana do tempo comum.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Outubro dando o ar da graça. As chuvas ainda timidamente chegando aqui pelas bandas do Araguaia. Estamos as vésperas da Festa de Nossa Padroeira. Viva a Mãe de Deus e nossa! Mãe negra de Aparecida, a senhora das causas dos empobrecidos. A expectativa é grande de que desta vez, o espaço sagrado do Santuário Nacional, não seja instrumentalizado para interesses meramente eleitoreiros, típicos do inominável, como o fez na Festa do Círio de Nazaré, fazendo corar de vergonha os fariseus do tempo de Jesus. Que a Mãe faça valer mais uma vez a letra viva de seu Magnificat: “Derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; aos famintos enche de bens, e despede os ricos de mãos vazias”. (Lc 1,52-53)

Haja humildade para vivenciarmos as benesses do Reino de Deus! Humildade que não faltou na vida deste grande homem de Deus, que hoje a Igreja celebra a sua memória: João XXIII ou São João XXIII (1881-1963). O “Papa da bondade”. Sorriso largo do Papa João, incansável lutador pela paz. Aquele que convocou e abriu o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), não vivendo o suficiente para colher os frutos deste documento histórico, que abriu as portas e janelas da Igreja, deixando ser engravidada pelos ares da modernidade e da caminhada do povo mais sofrido. Um Franciscano da Ordem Secular (O.F.S), que soube incorporar em si o espírito do “Poverrello de Assis”, extravasando em humildade com os pobres.

Rezei nesta manhã movido pelo espírito deste grande homem de fé. Dom Hélder Câmara foi o responsável por trazer para mais perto de mim a figura deste grande Papa. Cursando a teologia em São Paulo (1985), “matamos aula” e lá fomos ouvir a palestra daquele cearense da batina surrada. Falou-nos da esperança renovada e da vida e importância do Papa João para a história da Igreja. Ali aprendi a admirar o “homem bom”, dividindo a mesma admiração com aquele nordestino arretado e fui perceber porque Dom Hélder era chamado como o ‘acendedor de esperança’: “Deixa-me acender cem vezes, mil vezes, um milhão de vezes de esperança que ventos perversos e fortes teimam em apagar. Que grande e bela profissão: acendedor de esperança”. Que falta nos faz a teimosia e a profecia de homens como estes!

A esperança está no ar! Vivemos dias de profunda expectativa de que outro mundo é possível de ser construído. Em meio às incertezas, advém-nos a força do esperançar de Deus. Como costumava nos alertar nosso bispo Pedro: “Nós somos o povo da esperança, o povo da Páscoa. O outro mundo possível somos nós! A outra Igreja possível somos nós! Devemos fazer questão de vivermos todos cutucando, agitando, comprometendo. Como se cada um de nós fosse uma célula-mãe espalhando vida, provocando vida.” Pensamento este que está em profunda sintonia com aquilo que o Apóstolo Paulo disse em uma de suas cartas: “A esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu amor em nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu”. (Rom 5,5)

A esperança é a força vital que impulsiona a vida daqueles e daquelas que seguem os mesmos passos de Jesus de Nazaré. Esperança que nos renova por dentro e não dá espaço para que vivamos de aparência ou do faz de conta, como o texto da liturgia desta terça feira nos adverte: “Vós fariseus, limpais o copo e o prato por fora, mas o vosso interior está cheio de roubos e maldades. Insensatos! (Lc 11, 39-40) Mesmo sentado à mesa com os fariseus, Jesus não deixa de dizer-lhes o quanto eles são hipócritas na sua vida falsa e de aparências. É um desmascarar das velhas estruturas de poder e dominação daquela gente de ontem e de hoje também. “Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque sois parecidos aos túmulos caiados: com bela aparência por fora, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e toda espécie de imundície!” (Mt 23,27) Mais direto, impossível!

Quantos de nós também não somos assim como estes fariseus do tempo de Jesus? Vivemos uma vida fundamentada na aparência de uma fé do faz de conta. Vamos à igreja, participamos da vida da comunidade e saímos de lá sem que nada tenha se transformado em nossas vidas. Comungamos do “Corpo de Cristo”, mas não comungamos da vida do irmão e da Irma que padecem à beira do caminho. Somos diferentes no espaço eclesial das paredes do templo e indiferentes à vida de quem mais necessita de nós. Uma religiosidade centrada no intimismo da fé, sem a experiência prática da espiritualidade libertadora de Jesus, diante do sofrimento dos irmãos. A transformação precisa acontecer primeiro no coração. Converter para assumir que o esperançar de Deus possa acontecer nas nossas ações cotidianas. O importante não é a aparência, mas aquilo que somos de fato no interior de nosso coração. Ser o que se é! Ser aquilo que acredita! Ser de esperança, transformando a realidade. Ser quem se é onde quer que estejamos. O contrário disto é a religião própria dos fariseus em pessoa.