Sábado da vigésima quarta semana do tempo comum.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Penúltimo final de semana de setembro. Estamos a caminho da estação das flores, muito embora elas se antecipam e colorem o nosso horizonte. Cada qual a seu modo, encantando-nos com o jeito próprio de ser. Nossos sentidos são presenteados com a força da natureza em festa, prenunciando a vida nova que renasce. Assim como nós, cada flor é única na sua missão na imensidão do universo a desvendar o mistério da vida. Como diria Antoine de Saint-Exupéry: “Determinada flor é, em primeiro lugar, uma renúncia a todas as outras flores. E, no entanto, só com esta condição é bela”. Unicidade em formato de flor.

Encanto, beleza e natureza, realidades que caminham lado a lado. Viver é a arte de aprender com a sabedoria que nos vem da natureza. Conhecer para apropriar do saber. Sabedoria que vem dos povos originários, que se relacionam com a natureza em forma de respeito e equilíbrio. Relacionamento este que envolve reconhecimento, ternura e afeto, numa atitude de proximidade sagrada, tendo a terra como a sua Mãe. Nesta Mãe, estão guardadas as suas lembranças, suas vivências ancestrais, seus saberes tradicionais, na construção de sua história. Vidas que se complementam no equilíbrio de um todo.

Hoje resolvi acordar a aurora. Com a penumbra da noite sendo rompida pelo clarão do alvorecer, rezei acompanhado por uma legião de pássaros multicores, fazendo júbilo em meu quintal. Espécies variadas numa verdadeira Babel de plumagens. Cada um deles anunciando o dia com o seu cantar característico, sem se importarem com aquele ali do lado. Sinfonia perfeita de acordes afinados, afugentando a noite que se despedia, entregando o bastão para o dia que nascia. O Transcendente se fazendo presente na onisciência do imanente em mim. O Deus criador da vida fazendo festa na alegria da criatura agradecida. Vida que segue na historia das vidas entrelaçadas.

Mas nem tudo são somente flores na estrada de nossas vidas. Encontrei-me nesta semana, com uma senhora de nossas comunidades, queixosa quanto a falta de medicamentos de uso gratuito na farmácia popular. Sem ter como comprar o seu, estava numa tristeza infinda. Tudo porque o inominável ocupante do “Alvorada”, tratou de enviar ao Congresso o projeto de Orçamento para 2023, prevendo um corte de 59% dos recursos do programa Farmácia Popular, que fornece medicamentos gratuitos para doenças como hipertensão, asma e diabetes. Lembrando que as redes de farmácias populares oferecem um total de 13 princípios ativos com 100% de gratuidade para a população de baixa renda. Ainda assim, há quem apóia esta tragédia em forma de des-governo.

Esperançar é preciso. Sonhar todos os sonhos possíveis. Sonhar com os pés no chão no esperançamento de quem, faz acontecer a história pelas próprias mãos. Mãos que se juntam em mutirão, fazendo com que o sonho de um se torne o sonho de muitos na imensidão. “Sonho que se sonha só, pode ser pura ilusão. Sonho que se sonha juntos, é sinal de solução”. Sonho da semente semeada no chão da esperança da vida em flor. Semente da esperança que se faz doação, entrega e realização. Vida nova na esperança do sonho em construção. Semente que se faz palavra, e dela brota a nova criação. Semente nova em Deus, sendo presença viva em nossas ações em missão. O semear de Deus se fazendo vida em nossas ações pelo Reino.

Semente que é a Palavra de Deus no formato do Reino, conforme nos atesta a liturgia deste sábado. Segundo Lucas, Jesus está rodeado de uma grande multidão. Ele está a lhes ensinar por meio da Palavra, contando-lhes a “Parábola do Semeador”. Aquele que semeia em vários campos e cada um deles recebendo/acolhendo a semente à sua maneira. Jesus que nos traz as sementes do Reino, e elas se espalhando mundo afora. Da mesma maneira como Ele encontrou resistência no meio do seu próprio povo, do mesmo modo pessoas e estruturas continuam impedindo a justiça do Reino de se estabelecer entre nós. Todavia, apesar de todos os empecilhos, cabe ao semeador realizar seu trabalho, confiando na possibilidade da colheita que vai acontecer.

Que tipo de chão tem se tornado as nossas vidas? De que forma está o chão do nosso coração? Nossas ações cotidianas dizem respeito ao chão que cultivamos no nosso coração? Nossas vidas são também como os terrenos que recebem as sementes do Reino. Cabe a cada um de nós, preparar o terreno das nossas vidas para que a semente da Palavra caia, germine e produza os frutos necessários do Reino. Cada um cuidando do terreno de seu coração. Mas é preciso estar com Jesus, ou seja, segui-lo bem de perto, para perceber que o Reino de Deus está se aproximando através de sua ação em nós. Os que não seguem a Jesus desta maneira ficam por fora, e nada podem fazer. Sejamos o chão de que fala o final do Evangelho deste dia: “E o que caiu em terra boa são aqueles que, ouvindo com um coração bom e generoso, conservam a Palavra, e dão fruto na perseverança”. (Lc 8,15) Que venha a tua semente, Senhor!