Francisco (Chico) Machado. Escritor e missionário.

Sábado da quinta semana do tempo comum.
Adentramos o final de semana. Um sábado chuvoso pelas bandas do Araguaia. São Pedro resolveu abrir as torneiras de vez, com grande índice pluviométrico. O Araguaia que já está transbordante, mais uma vez agradece. Muitos peixes em vista. Várias pessoas pescando de barranco, como se diz por aqui. Menos mal, pois assim garantem o que comer no espaço sagrado de suas famílias, ainda mais com os preços reajustados nos supermercados a cada dia. Alimentar-se dignamente está cada dia mais caro, nesta hora do Brasil.

“Quem tem fome tem pressa”, dizia nosso maior sociólogo e ativista dos Direitos Humanos, Herbert de Sousa (1935-1997), mais conhecido como Betinho. A fome chegou de vez em nosso país. Cerca de 20 milhões de brasileiros passam fome literalmente. Não come nada nas 24 horas do dia. Outro dado também assustador é que 116,8 milhões de pessoas brasileiras vivem em situação de “insegurança alimentar”. Estes não são dados estatísticos apenas, mas vidas de pessoas humanas ameaçadas, sobretudo de crianças, comprometendo assim o seu futuro saudável. Inimaginável acompanhar o coração despedaçado e desfigurado de uma mãe, vendo o seu filhinho sem ter o que comer!

A fome que ocorre não por falta de alimentos necessários, mas por causa da concentração destes nas mãos de uns poucos. Tanto é verdade que, neste momento histórico, o “agro nada pop”, está em vias de comemorar mais um recorde na produção de grãos correspondente a safra 2021/2022. Espera-se uma colheita de 288,61 milhões de toneladas, representando um aumento de 14,2% em comparação com a safra anterior 2020/21 que foi de 252,7 milhões de toneladas. É muito alimento! Nesta safra atual haverá um aumento significativo de 35,87 milhões de toneladas, considerando ainda as perdas ocorridas na região sul do país, em virtude da falta de chuvas.

Comida há o suficiente para alimentar a todos e todas em nosso país. O que não há é vontade política na feitura de políticas públicas para o combate a fome num contexto de pandemia. Pão que não é partilhado, mas concentrado. O pão da discórdia, ferindo assim um dos princípios básicos da vida humana que é a garantia da alimentação para poder viver com dignidade. Sem nos esquecermos que o Brasil figura entre os 10 países do mundo que mais desperdiçam alimentos no seu dia a dia. Cerca de 23,6 toneladas de alimentos são desperdiçados por ano. Joga fora, mas não permite que as bocas famintas tenham acesso ao que comer. Uma sociedade terrivelmente doente que não é capaz de partilhar para nutrir aqueles que passam fome. Como dizia William Shakespeare: “São tão doentes aqueles que se saciam demais, como aqueles que passam fome”.

Liturgicamente, Jesus hoje nos dá uma verdadeira aula de sensibilidade e empatia frente à multidão faminta. Ele que age movido mais uma vez pela compaixão. Este sentimento nobre que se compara ao sentir com a força interior, com as “entranhas”. Jesus cheio de amorosidade materna, uma vez que este é um sentimento tipicamente característico e presente no coração das muitas mães. “Tenho compaixão dessa multidão, porque já faz três dias que está comigo e não têm nada para comer. Se eu os mandar para casa sem comer, vão desmaiar pelo caminho, porque muitos deles vieram de longe”. Mc 8,2-3) Não é a primeira vez que o Nazareno se incomoda com a fome do povo. Os quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João), narram a cena de Jesus dando jeito de saciar os famintos. A diferença de agora é que o “banquete” concretizado por Jesus é em território pagão, mostrando assim que o convite para formar a nova sociedade é dirigido a todos e todas, e não apenas a um pequeno grupo de privilegiados.

Jesus sendo eucarístico e saciando os famintos. Um texto que nos apresenta uma verdadeira catequese sobre a Eucaristia. Ele que se dá como “Dom de si mesmo”. O corpo e sangue d’Ele dado como alimento para a vida, saciando a fome em todas as suas faces e dimensões: fome de alimento, fome de justiça, fome de partilha, fome de igualdade, fome de ternura, fome de cuidado, fome de saúde, fome de teto, fome de emprego, fome de vida plena. Não tem sentido celebrar a Eucaristia sem olhar para a realidade das pessoas que passam fome. Comungar do Pão Eucarístico é tornar-se também Eucarístico como Jesus e se fazer Eucaristia na realidade concreta da vida. Comungar de e com Jesus é expressar a fé na “teimosia da solidariedade revolucionária”, conforme dizia nosso bispo Pedro. O Ser Eucarístico Jesus se fazendo em nosso ser atuante: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele”. (Jo 6,56)

https://www.youtube.com/watch?v=wUpofV2pmeg

Eucaristia que celebramos hoje em memória do 17º ano do martírio da irmã Dorothy Mae Stang. Naquele dia 12 de fevereiro de 2005, ela foi barbaramente assassinada, aos 73 anos de idade, quando caminhava por uma estrada de terra, a 53 km da sede do município de Anapu, no Estado do Pará. Mártire da terra, que sonhava com a Floresta Amazônica em pé e a terra sendo repartida para os pequenos da agricultura familiar. Dias após o seu martírio, Pedro assim escreveu sobre ela: “Assumamos a herança de nossa santa Dorothy, na caminhada do dia a dia, com realismo militante e com a esperança pascal”. Irmã Dorothy, presente na caminhada! Fome, apenas de indignação e de esperançamento!