Sábado da Vigésima Primeira Semana do Tempo Comum. Entramos no último final de semana deste mês de agosto. O mês oito vai se despedindo em meio a um cenário triste aqui pelo Vale do Araguaia. Um calor absurdo, com o sol espalhando seus poderes de irradiação. O vento que sopra mais intensamente, nesta época do ano, facilita a propagação das chamas, que alguns irresponsáveis ateiam sobre a mata, no intuito de “fazer a limpeza”, danificando a natureza e o ar que todos respiramos. Pior para os mais idosos, que apresentam problemas respiratórios. Diferentemente dos povos indígenas, a Terra para os latifundiários, é um bem de capital, objetivando lucro. Não para os indígenas, que vem a Terra como a nossa Mãe. “Nossas terras são nossas vidas, não fonte de lucro”. (Sônia Guajajara)
Já que estamos falando de Terra, tivemos uma grande conquista nesta semana aqui na Amazônia. A grande Volkswagen foi condenada em R$ 165 milhões por trabalho escravo durante o período da ditadura (1974-1986). A Vara do Trabalho de Redenção (PA), condenou a empresa pelos episódios ocorridos na Fazenda, no Vale do Rio Cristalino, onde centenas de trabalhadores e trabalhadoras terceirizados, foram submetidos a condições análogas à escravidão. Nenhuma novidade para este período ditatorial por aqui. Pena que a nossa grande advogada, que trabalhou muitos anos aqui na Prelazia de São Félix do Araguaia, na Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dra. Maria José, a nossa “Zezé”, esteja debilitada em sua saúde, para comemorar uma de suas lutas, em benefício dos posseiros aqui de nossa região. Aliás, nesta semana, perdemos um dos nossos pioneiros no trabalho, como Agente de Pastoral desta Prelazia: nosso querido Hélio Piau que, a estas horas, está numa prosa boa com Pedro, Tia Irene, Pontim, na casa do Pai. Piau, presente na caminhada!
A liturgia deste sábado nos propõe uma palavra-chave de estrema significância: “talentos”. Para a compreensão bíblica, os talentos são dádivas ou dons dados por Deus a cada pessoa para serem usados em benefício da construção do Reino de Deus, onde a vida esteja em primeiro plano. Cada pessoa, individualmente, recebe os talentos de acordo com a sua potencialidade, e a responsabilidade para desenvolver esses dons, usando-os com interatividade, em vez de negligenciá-los por medo, comodismo ou indiferença. O uso adequado e comprometido dos talentos leva à realização de uma vida partilhada e participativa, enquanto a omissão (que é um ato de covardia) resulta em prejuízo para a pessoa e a vida de todos os/as irmãos/as.
A parábola contada por Jesus hoje, faz parte de um contexto maior do capitulo 25 de Mateus. Neste capítulo, este evangelista narra três parábolas contadas por Jesus, relacionadas ao contexto do fim dos tempos, dentro de uma compreensão escatológica. A “Parábola dos Talentos“, como é popularmente conhecida, trata de um “acerto de contas” entre um patrão e seus empregados, fazendo finalmente um balanço sobre a forma como cada um dos empregados, usou os talentos que recebera. Segundo os estudiosos bíblicos, um único talento era equivalente ao salário de 15 anos de um trabalhador comum. Assim, podemos considerar que a quantia dada a cada servo era considerável. Todavia, de acordo com a lei rabínica, o ato de enterrar o “talento”, era considerado a forma mais segura contra possível roubo.
Se é que todos nós recebemos de Deus os talentos como dádivas suas, as perguntas que ficam são: de que forma estamos utilizando os talentos que recebemos de Deus? Eles estão sendo utilizados para melhorar a nossa convivência neste mundo, construindo uma sociedade mais justa, igual, distributiva, onde a partilha seja a moeda principal de nossas relações? Meus talentos servem ao bem comum de todos? O que Deus espera de nós é que não enterremos os nossos “talentos”, mas os coloquemos a serviço de uma vida melhor para todos e todas. Em vez de preservar, ocultar passivamente o que temos recebido, a orientação correta é utilizar nossos talentos para fins produtivos, a serviço da vida plena para todos. Para tanto, é necessário o nosso trabalho criativo que afugenta toda forma de passividade acomodada e covarde.
Enfim, diante da perspectiva escatológica, não basta estar preparado, esperando passivamente a manifestação de Jesus. Também não devemos nos apegar ao possível medo diante de tantas coisas escabrosas, que estamos vendo acontecer nos dias de hoje, onde a vida humana e do Planeta, seguem ameaçadas pela ganância dos lucros fartos de alguns. Os talentos foram criados para estarem a serviço de uma vida melhor para todos nós. Neste sentido, é preciso arriscar e lançar-nos às ações, para que os dons que recebemos frutifiquem e cresçam. Jesus confiou à todos nós a revelação da vontade de Deus e a chave do Reino. No final de tudo, Deus pedirá contas a cada um de nós por esses dons recebidos. Repartimos e o fizemos crescer, ou o escondemos (enterramos) com medo dos homens? Bem resumiu o Padre Júlio Renato Lancellotti, sobre os seus talentos recebidos: “Defender os pobres, oprimidos e marginalizados é seguir Jesus”.
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