Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Sexta feira da Terceira Semana do Tempo Comum.

Sextou derradeiramente em janeiro, que caminha para o seu adeus, repassando a fevereiro a incumbência de nos permitir fazer a história. O primeiro mês do ano é sempre mais devagar: férias escolares dos professores e estudantes, passeios, viagens. Há quem diga que a vida do brasileiro só começa mesmo depois do carnaval. Será? Verdade ou não, seguimos a nossa rotina neste compasso de espera. Janeiro é aquele mês que sempre estabelecemos algumas metas, propósitos, decisões, que nem sempre as cumpriremos. Logo a vida se encarrega de nos mostrar esta realidade.

O dia 27 de janeiro é um dia especial para a história da humanidade. No dia de hoje, há 78 anos, era desestruturado o Campo de Concentração e Extermínio Nazista Alemão de Auschwitz. Neste dia celebramos o Dia Internacional em Memória das vítimas do Holocausto de judeus, eslavos, ciganos, homossexuais, mulheres…, que foram brutalmente exterminados nestes campos. Somente em Auschwitz, o maior e mais terrível campo de extermínio do regime de Hitler, foram mortas pelo menos um milhão de pessoas. Estima-se que eram assassinadas seis mil pessoas por dia. Uma história de horror que não poderemos jamais repetir entre nós. Ainda assim há quem exalte a figura deste horrendo criminoso genocida.

Iniciei o meu dia de hoje rezando com o nosso pastor Pedro. Estar ali com ele naquele campo sagrado é o melhor pressagio de que o dia será diferente. A energia que brota daquele lugar renova todas as nossas esperanças, enchendo-nos de boas vibrações e expectativas. Até os pássaros encontram ali um refúgio seleto para cantarolar acordando o dia nascente. Quis estar ali, pois devo a este grande profeta do Araguaia a oportunidade, já que foi ele o responsável direto para que eu aqui estivesse sendo um dos tantos Agentes de Pastoral que por esta Igreja já passou. Gente que fez história e deram suas vidas por esta Igreja da caminhada.

Um dia que marcou a minha história de vida, 27 a janeiro de 1992. Depois de participar do V Curso de Verão, um oásis de formação básica no campo bíblico, teológico, pastoral e sobre questões sociais emergentes, privilegiando-se a metodologia da Educação Popular, fiz a minha longa viagem até aqui. Trinta e um anos se passaram desde que aqui cheguei. Aportava eu, de “mala e cuia”, na casa mais conhecida da cidade de São Félix do Araguaia. Da Região Episcopal de São Miguel Paulista, Zona Leste de São Paulo, para um pequeno povoado às margens do Araguaia. Da CoHAB Tiradentes, para o meio das comunidades indígenas. Do comando do bispo Dom Angélico Sândalo Bernardino, para as mãos de Dom Pedro Casaldáliga, aquele bispo de todos admirado pela sua energia em comandar “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”.

De Missionário Redentorista da Província de São Paulo, passei a ser um simples Agente de Pastoral desta Igreja que também adotei como minha. A causa indígena foi o segundo passo dado no sentido de fazer a minha vida valer a pena, sendo um com eles, como Pedro fizera questão de me alertar antes de entrar pela primeira vez numa aldeia indígena: “Não se esqueça de que lá com eles, você não é um padre, mas um com as causas deles. Quando muito ‘descolonizar’ e ‘desevangelizar’”. Entrei, fiquei e não consigo mais sair. Casei com esta realidade e fiz dela o meu projeto e proposta de vida. Ocupo-me acompanhando as escolas indígenas nas aldeias, sobretudo com a Formação Continuada dos professores indígenas.

Sigo daqui, tentando semear a “Semente do Reino” nestas terras, como a proposta da liturgia desta sexta feira nos provoca: “O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra. Ele vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece”. (Mc 4,26-27) Não devo ser um bom semeador, mas me contento em fazer a minha minúscula parte, deixando a parte mais substancial para a ação de Deus, conforme o texto nos indica. A imprevisibilidade cabe a Deus realizar. Como me sinto, às vezes, pode até ser que também nos sintamos impotentes diante da realidade maior e mais complexa, mas a missão de Jesus em nós é portadora do Reino de Deus e da transformação que ele provoca. Uma vez iniciada, a ação do Mestre Galileu cresce e produz fruto de maneira imprevisível e irresistível. Semear a semente do Reino na terra e deixar que Deus a faça germinar. Assim é o Reino que brota da semente lançada na terra.