Era o dia anterior de Nossa Senhora Aparecida. Voltava da Casa de Acolhimento dos Idosos, moradia institucional, ninho coletivo de “passarinhos” que já viviam entre a casa e o pomar, às vezes, no jardim das lágrimas de uma família que não queria ou não podia mais dar um galho aconchegante para contar suas penas.

Triste saudade de velhos tempos que se extinguiam. Fui até lá entregar revistas antigas que falavam da Mãe Aparecida. “Informativo da Província, Diálogo e A Cartinha”.

Um pedido de um idoso que atendia. Eu vinha de volta e decidi ir até a pracinha onde uns amigos se juntam em comum acordo para beber cachaça e prosear.

Ao descer a rua, vi apenas o “Baixinho”, um indígena da etnia “mundurucanha”. Pensei que seria dessa vez que o acompanharia até a casa dele. Convidei para seguir comigo, aceitando o convite para subir a rua, tornando-me um anjo guardião do amigo.

Afinal, caminhava comigo, aqui e acolá, indo para o meio da rua sob meu olhar de cuidado, exagerado, porque era seu caminho costurado todos os dias de retorno para sua casa.

Estava decidido conhecer onde morava, mas para não intimidá-lo, menti dizendo que ia até a Igreja da comunidade de Jesus de Nazaré, perto onde tinha uma casa que vendia mudas e vasos com as plantas chamadas Rosas do Deserto.

Ele parou numa lanchonete de rua e pediu água. Trouxeram um copo de água com gelo dentro. Elogiei o gesto e a atenção que deram para ele. Deixou a metade da água e seguiu.

Eu peguei o copo com o resto de água gelada e levei para ele. Parou de novo e entrou num comércio, deu uma volta por dentro e voltou sem nada para o caixa. Sinalizou que queria algo para comer. Sem demora, peguei e paguei uma lata maior de sardinha e um pacote de farinha.  Ainda brinquei que comesse quatro e soltasse uma no Mindu.

Prosseguimos, mas creio que ao passar pela igrejinha, desconfiou que eu queria ir até a sua casa. Deu umas voltas nas ruas e enfim, ele parou num humilde restaurante e sentou. A senhora que estava na cozinha disse que saísse porque estava bêbado. Percebi que se conheciam, pois ele mesmo me diserra que tinha se criado naquele meio. Andamos mais um pouquinho e ele disse que era ali sua pousada.

Um banco pintado, encostado na parede, coberto por uns galhos de pé de acerola. Dali, olhava para uma casa de dois andares o que me fazia confuso. Despedi-me, dizendo que ia voltar por outro caminho.

Mas queria ter certeza se ali, naquele banco era o seu ninho. Sumi e voltei, depois de algum tempo. Perguntei pelos bonés , sandália e roupas e ele desconversava. Despedi-me mais uma vez e , voltando pelo caminho que viera com ele, fui conversar com a senhora que cozinhava no restaurante.

Logo, contestou quando referi-me a ele como um ,”coitado”. Contou-me de todas as tentativas de tirá-lo da bebida e da rua. Segundo ela, nada tinha funcionado. Filhos e parentes já o levaram dali, ficou bem, mas acabou voltando para a mesma vida de dependência do álcool.

Depois, prossigo esse relato, pois quero conhecer quem é essa pessoa que, inclusive, permite que durma no banco ao lado de sua casa e que, um dia, já o colocou num quarto com rede, mas por causa do comportamento não o deixa mais entrar.

Fico aqui, rezando por ele. Fazer o quê para ajudá-lo, como aprendi em tempos de jovem “deixar que chegue ao fundo do poço” para pedir ajuda? Pode acontecer muito tarde e já sem sentido para curar-se.

Enquanto isso, continuo conhecendo esses “passarinhos de rua” e crendo na bondade de Noss Senhora Aparecida que não esquece nenhum dos seus filhos.

Nelson Peixoto – Manaus, AM Dir. de Liturgia da UNESER