O AMOR AOS LIVROS CRESCEU E UM TRANÇADO ARTESANAL ACONTECEU
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peixotonelson
Livros e revistas com figuras para brincar frente a frente com meu irmão: “é meu, é teu”, folheando cada página. Assim foi uma das minhas iniciações com livros. Esse jogo acontecia depois da leitura do Malba Tahan e das curiosidades da coleção “Tesouro da Juventude”, que o pai fazia conosco. Ficávamos numa escuta atenta de cada palavra. Os livros de oração, as histórias de santos, as aprendizagens das respostas da missa em latim fizeram parte do encanto e das descobertas contidas nas páginas dos livros. As palavras novas fervilhavam nas nossas cabeças mágicas de criança curiosa que, sem sossego, viajando pelos mares, olhando os mapas das montanhas e dos rios, assim como as Sete Maravilhas do Mundo, entre as quais a mais impressionante era a Muralha da China cruzando montanhas e vales profundos.

Consolidei a leitura do mundo nos livros de figurinhas, nas marcas de cigarro e nos nomes de ônibus de madeira que circulavam em Manaus. Entrava nos romances, tornei-me protagonista de alguns e estudei literatura a partir dos livros disponíveis na biblioteca. Nesse tempo mudei meu voto quanto às maravilhas do mundo antigo para as do mundo novo. O Cristo Redentor ganhou a eleição do meu coração, porque entrara, em 1962, no Seminário Santíssimo Redentor.
Meu drama com livros e revistas aconteceu em 1971. Sentia uma dor que até hoje surge quando vejo livros e revistas postos para a reciclagem. Foi assim o drama com a venda do Convento Redentorista em Manaus. Duas bibliotecas situavam-se na esquina do corredor de acesso aos quartos e de frente à capela. A sala de convivência fraterna parecia quase um miniclube de leitura, onde se abastecia de trocas nossa imaginação.
Aconteceu que meu amigo Nonato Souza e eu, em 1971, nos encarregamos de selecionar revistas e livros acumulados desde a chegada dos missionários redentoristas em 1943, em Manaus, AM. As estantes cobriam as paredes até o teto em disposição quadrangular, deixando no centro uma mesa de consulta em cada biblioteca. Era muito livro mesmo. A biblioteca no segundo andar era cheia de livros de bolso em inglês e revistas como New Yorker, Times, Newsweek. Essas foram por nós descartadas sem muito sofrimento. Ah, se tivéssemos como hoje sistemas de escaneamento e multiplicação de textos, faríamos um discernimento com menor precipitação! Mais do que isso, temos tudo na internet.
O terceiro andar da biblioteca era carregado de obras teológicas, filosóficas, bíblicas, sociológicas e muita literatura brasileira, inglesa e outras preciosidades. Selecionamos quase tudo e arrumamos em caixas para o transporte. Seguiríamos com elas, em janeiro de 1972, para o seminário maior redentorista. Este foi onde hoje é o Parque do Mindu. Lá, sob a canção da cachoeira, estudamos e bebemos das fontes da fé e da cultura. Nosso sonho sempre foi que o verdadeiro conhecimento tivesse que ser transformado em ação. “E a palavra se fez carne e habitou entre nós”.
Os livros transportados com seus armários foram para um espaço novo e amplo, intercortado pelos postes de acariquara. Se antes os peixes, tipo acari, escondiam-se nos buracos da madeira (quara = lugar de), agora eles apontavam para os livros das estantes onde nosso beijo e olhar sedentos de sabedoria pousavam para os estudos.

Passados os anos, até hoje, chegam as imagens da leitura do romance “O Nome da Rosa (Humberto Eco – 1980), mas não com o fim triste pelo incêndio devorador. Nesse relato foi diferente desse fim triste. Ficara a faísca incendiária da criatividade permanente consumindo os dias futuros. No romance, ficou apenas a rosa assegurando no nome os conceitos que não se consomem no fogo das paixões para sempre. Aqui, o fogo do conhecimento arde dentro de nós para saber sempre mais. Um saber com sabor eterno, gosto pela palavra, amor pela escrita, sinais do mistério da vida, coleção de emoções codificadas em letras que ampliam a razão quando se acredita falar de Deus e do Reino de Jesus.
Minha paixão para ler e escrever reforçou-se durante a pandemia do Covid-19, atiçando emoções com a força do coração, o medo de morrer e o arranjo de palavras! A memória trouxe a alegria, aquietou a angústia e me fez cantar a alegria da vitória quando finalizou a pandemia, embora deixando a mágoa de que tudo poderia ser diferente em termos de valorização da vida. A oração pelos que sofreram e a gratidão pelo martírio daqueles que foram morar em Deus são mais do que perdas de amigos e parentes, compreendidas pela fé. A Palavra feito Carne em Jesus ressuscitou-os para a Vida sem fim.

Confesso que foi a leitura do livro “Aproximação Histórica de Jesus” (José Antonio Pagola) e os livros do amigo historiador Eduardo Hoornaert, membro do meu grupo de estudos “Quebrando o Silêncio” que me abriram os olhos para conhecer o Movimento de Jesus, ver a originalidade de Jesus de Nazaré para compreender e aprofundar a leitura bíblica sem fundamentalismos. Conteúdos que rejuveneceram minha fé na prática do mandamento maior do único Mestre das estradas empoeiradas da Galileia, com a única razão: ser fiel à construção do seu Reino de Justiça, Fraternidade e Paz.

Hoje, ler e escrever são umas das minhas tarefas de vida, onde abasteço minha motivação para alcançar idosos em suas realidades alegres e penosas.
Meu maior desejo é que os conteúdos escritos por mim sejam aquilo que o Espírito de Deus me sopra na compreensão das tramas da História da Igreja, santa e pecadora, como bem escreve Santo Agostinho.
Que o Espírito de Jesus Ressuscitado tenha estendido a sua asa para os conteúdos vivenciados que constam nos sete (7) livros que já escrevi, nos últimos 4 anos
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