Em sua vida pública, Jesus jamais batizou alguém. Mas seus discípulos retomaram o rito quase que imediatamente após a ressurreição.

Sergio Alejandro Ribaric’. Teólogo, professor no ITESP e Faculdade São Bento e palestrante.

As primeiras comunidades não eram orientadas apenas pela história de Jesus, mas pela vivência da prática do Reino anunciado por Ele. A “boa nova” é a esperança plantada pelo filho de Deus, num mundo oprimido e sem esperanças. A esperança de Jesus é iniciada e vivida no presente que repercute e questiona esse presente. É uma esperança ativa, dinâmica, repleta da graça e da presença de Deus.

Da perspectiva da vida de Jesus, não é mais possível que o homem seja indiferente e se torne apenas espectador de um mundo em que os verdadeiros protagonistas se aproveitam dessa passividade e indolência para implantar o “seu reino” e deles tirar vantagens egoístas. Não haverá esperança para a humanidade a não ser quando esta reconhecer sua responsabilidade nos sofrimentos que ela mesmo causa.

O batismo na água estava ligado aos ritos de purificação das tradições dos judeus e, mais especificamente, dos essênios, mas João Batista acrescentava um elemento novo a esse rito das tradições: a conversão. A conversão não fazia parte dos ritos judaicos, purificar-se não era converter-se, mas lavar-se. As purificações judaicas eram apenas fruto de um medo de doenças e contaminações, mas não atingia o interior da pessoa, seu comportamento e sua consciência.

João prega no deserto a penitência e a conversão. Opta pelo deserto e por uma vida ascética como opção. Os evangelhos também evidenciam sua vida de pobreza e austeridade. Mas para João, a história acabou e não resta mais que a ação de alguém “mais forte” (Mc 1,7; Mt 3,11; Lc 3,15) que está para chegar. Esse “mais forte” será um enviado de Deus que irromperá no mundo para julgar o povo e a história. A concepção apocalíptica de João Batista

não vê esta possibilidade: a história é uma luta entre o bem e o mal, dualistamente. O fim é um juízo de Deus, no qual ocorrerá o castigo dos ímpios e a destruição da história. É uma concepção de medo e de vingança! Totalmente afastada do amor e da prática missionária de Jesus, como convite à conversão de vida numa constante busca ao “outro”, como pastor que busca incessantemente as ovelhas perdidas. Por essa razão, João é para a teologia cristã, a conclusão do Antigo Testamento.

A PALESTINA NO TEMPO DE JESUS

A esperança do povo judeu parecia ter perdido totalmente o sentido depois de tristes e trágicas experiências históricas dos últimos séculos. Jesus encontra uma época dominada pela sensação de angústia e fracasso: a terra, objeto da promessa divina, tinha sido invadida; a abundância de bens tinha se transformado em pobreza e escassez e o Templo, símbolo da presença de Javé, havia se transformado no centro de toda a vida religiosa, econômica e política judaica. Suas atividades e organização revelam os valores e as divisões desta sociedade, onde os sacerdotes e conhecedores da Lei possuem privilégios sobre os demais. A população mais pobre, que já sofria com os altos impostos nacionais e religiosos, agora se via enforcada com os impostos do Império Romano. Percebe-se disso tudo uma sociedade com grande quantidade de pobres e mendigos, além de uma proliferação de bandoleiros e líderes messiânicos.

Em tal contexto, explica-se a ideia de um Deus que parecia ter sua paciência esgotada e que tinha abandonado seu povo infiel, abandonando-o a um destino cruel. Os deuteronomistas que, por séculos, explicaram o fracasso do povo como uma infidelidade a Deus e que, por isso, permitia que o mesmo fosse castigado, agora chegam a conclusão óbvia de que esse mesmo Deus esgotou a paciência com seu povo e decide castigá-lo definitivamente. Parecia não haver alternativa a não ser a intervenção majestosa e poderosa de Javé. Não é de se estranhar que sob essa perspectiva se desenvolvam tendências apocalípticas (que aliás, sobrevivem até hoje em muitas religiões) e seitas). A apocalíptica surge das cinzas de esperanças frustradas e da sensação de impotência de um povo oprimido.

O batismo de Jesus (Lc 3,3; Mc 1,4; Mt 3,13) ocorre nesse contexto de opressão e dominação e pode ser considerado acontecimento seguramente histórico. Mas, em sua vida pública Jesus jamais batizou alguém. Ao primeiro momento, isso pode soar estranho. Principalmente, dado o fato de seus discípulos retomarem o rito quase que imediatamente após a ressurreição. As primeiras comunidades não eram orientadas apenas pela história de Jesus, mas pela vivência da prática do Reino anunciado por Jesus. Isso é percebido no mandato oficial do Ressuscitado, no qual o evangelista Mateus termina seu evangelho: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi” (Mt 28,19-20).

O batismo de Jesus é sinal de Sua aprovação quanto à mensagem da vinda próxima do Reino de Deus. Mas, seguramente a mensagem de julgamento como convite à conversão, não fazia parte de Sua pregação. Jesus anuncia o Reino de Deus, não como uma vinda “assustadora” após uma conversão e um “arrependei-vos”, mas como graça que Deus concede a todos os homens mediante a fé. A antiga ideia de julgamento, como condição necessária à pertença do Reino de Deus, explica as penitências, os jejuns e o afastamento do mundo (deserto), que são pregados pelo Batista.

Práticas que não estão presentes na vida de Jesus!

Contrariamente, Jesus não se afastava do mundo, por considerá-lo impuro e indigno de Deus. Mas, caminhava por esse mesmo mundo, rumando de aldeia em aldeia, pregando a Boa Nova, estimulando a fé em Deus e o amor entre os homens. A vida itinerante de Jesus é um traço marcante em cada passagem dos evangelhos. Naquele tempo, um homem só deixava a família para constituir outra família ou quando perdia os bens e se transformava em mendigo. Jesus optou por essa vida para ir ao encontro das pessoas (sofredores), para anunciar o Reino (esperança). Andarilho, manifestou sua humanidade na maneira de relacionar-se com as pessoas, especialmente com os pobres,

enfermos, pecadores, marginalizados que sempre clamaram por Javé.

A “nossa” Teologia da Libertação utiliza-se de inúmeros sinais dessa condescendência e bondade do Jesus histórico. Seus milagres sempre estiveram ligados à inserção dos excluídos na sociedade, dos homens e mulheres de uma comunidade definida, excluídos pela lei por “impurezas” das quais não tinham culpa. Esses homens, como os tantos excluídos de hoje, sempre se aproximaram de Jesus para que lhes curasse os males, que podem ser chamados de cegueira, de lepra, mas que hoje são mais facilmente definidos como infelicidade (Mt 9,36). A conversão é um processo que se inicia numa crise profunda. Paulo descreve esse processo como: “[…] A criação inteira geme e sofre em conjunto as dores de parto, até o presente” (Rm 8,22).

BATISMO “NO ESPÍRITO SANTO”

É a essa prática que o evangelista João se refere como “batismo pelo Espírito” realizado por Jesus (Jo 1,19-28). Jesus, portanto, nunca viveu apocalipticamente, mas messianicamente. A pregação de Jesus e o testemunho do cristianismo primitivo se expressam no plano horizontal do tempo humano. Não usava o castigo como forma pedagógica para convencer as pessoas. Nos seus discursos escatológicos, é possível um novo mundo sem a sua prévia destruição. “Nenhuma palavra de Jesus fala do messias-rei, que esmagará os inimigos do povo; nenhuma palavra sobre o domínio do povo de Israel sobre a terra, da reunião das doze tribos ou da felicidade no país rico, pleno de paz.” (BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Teológica, 2004, p. 41.)

Depois do batismo, lemos que Jesus “viu os céus rasgarem-se e o Espírito como uma pomba pousar sobre Si” (Mc 1,10). Interessante observar que, para Marcos, nenhuma testemunha é citada nesse relato tal qual Lucas, com a diferença que este – como em outras passagens em momentos decisivos de Jesus –, o cita como em um momento de oração. Em Mateus, (3,16) a

abertura dos céus é testemunhada por todos e, em João, é apenas o Batista que presencia o fato (Jo 1,32-33). Ainda continuando com as diferenças do que realmente aconteceu, em Mt 3,17, do céu surge uma voz que declara publicamente: “Este é o meu filho bem-amado […]”. Em João, nenhuma voz é ouvida nesse momento, mas João ouve previamente uma voz que o envia a batizar Jesus: “Aquele o qual vires o Espírito descer e permanecer sobre ele, é ele que batiza no Espírito Santo” (Jo 1,33). Percebe-se que essas contradições nos relatos impedem que se chegue à verdade histórica do que realmente ocorreu. Mas nos indica que a importância da cena está em outra coisa”…

È inegável que esses relatos podem ser lidos como um gesto de investidura a um Jesus que é designado como “filho amado” (Mc, 1,19; Mt 3,17; Lc 3,22), expressão raramente encontrada na literatura bíblica. O Espírito Santo estava sobre Jesus desde seu nascimento, mas é inegável que a unção recebida no Jordão está ligada ao início de sua obra messiânica.

Mas, como dito, apesar de Jesus nunca ter batizado, logo após a experiência da ressurreição as primeiras comunidades já batizavam “no Espírito”. No Novo Testamento não há a mínima referência a ‘batismo’ dos apóstolos ou dos primeiros discípulos de Jesus. Unicamente no fenômeno de Pentecostes se deixa perceber que a experiência do Espírito que tiveram, os fortaleceu na capacidade de assumirem a missão de anunciarem a Boa Nova e a mensagem do Ressuscitado.

As forças do Espírito não são concedidas para isolar-se ou fugir dos conflitos deste mundo real, reservando para si um mundo religioso ilusório e egoísta. Mas sim para testemunhar, no meio dos conflitos e dos aflitos, o senhorio libertador de Cristo. Os movimentos de fé das pessoas não devem tornar-se uma religião privada, alheia à política: O critério da vida no Espírito Santo é o seguimento de Jesus. E seguir Jesus significa lutar pela vida; contra toda negação da vida: o sofrimento, a exclusão, a pobreza e as humilhações nela implicadas.

Ou como nas palavras de João Paulo II na Encíclica Solicitude Social (n. 30): “Quem quisesse renunciar à tarefa […] de melhorar a sorte do homem todo e de todos os homens […] ] não cumpriria a vontade de Deus criador”.