Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Sábado da trigésima semana do tempo comum. O último final de semana do mês missionário que se despede de nós. Ainda há tempo para refletirmos sobre a nossa ação transformadora no mundo como missionários e missionárias, seguidores e seguidoras do Nazareno. O mundo tem sede de paz e de justiça. O amor está em desuso nas nossas relações. Sejamos os arautos da Boa Nova do Evangelho e defensores das causas dos pequenos, inspirados e assegurados naquilo que fora dito por Jesus de Nazaré em letras garrafais: “Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram.” (Mt 25,40)

O sábado amanheceu ainda muito cedo para mim. Quisera eu ter rezado esta manhã na companhia de Pedro, as margens do Araguaia. Todavia, esqueci de combinar com o outro Pedro, que resolveu abrir de vez as comportas do firmamento, fazendo a água descer abundantemente aqui pelas bandas do Araguaia. Contentei-me de rezar na companhia dos sabiás, bentivis e João de barros, que se vieram se abrigar da forte chuva na área dos fundos de minha casa, sem se incomodarem com a minha presença junto deles. Acho que sabem que não vou fazer nada que possa colocar em risco as suas vidas. A Nossa Casa Comum é aqui numa perspectiva de Ecologia Integral. Não é que estamos todos interligados? https://www.youtube.com/watch?v=PLsAtfUGcHU

Mas nem tudo é festa aqui pelas raias da “Amazônia Legal”. O “Pecado Ecológico” segue devastando, destruindo e matando a vida dos Povos e demais seres vivos da Floresta. Ainda ontem, saiu um dado alarmante do desmatamento na região amazônica. Observou-se o maior desmatamento já registrado desde 2015, quando a medição passou a ser feita por meio de satélites, com a contribuição indispensável do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. Cerca de 9.277 km2 de florestas deixaram de existir, afetando diretamente a vida de 30 milhões de brasileiros, habitantes desta região. Fora as centenas de milhares de vidas que dependem deste bioma para sobreviverem.

Assim que cheguei à Prelazia de São Félix do Araguaia (1992), fiz uma longa incursão pela floresta, celebrando com as comunidades no meio da mata e também para conhecer de perto os encantos deste rico bioma. Ninguém melhor que o nosso bispo Pedro para nos ensinar a ter uma relação respeitosa para com a floresta. Um de seus poemas me serviu de inspiração quando ele diz: “Quem fica na floresta um dia quer escrever uma enciclopédia; quem passa cinco anos, fica em silêncio para perceber o quanto é profunda e complexa a Criação”. Criação está que está sendo destruída diuturnamente pelas forças da morte que se instalaram em nosso país. Ou damos um basta urgentemente nesta situação, ou o futuro de todos nós está com os dias contados.

Estamos diante de um dilema fatal. Só há um caminho a seguir: o caminho da humildade. O caminho da gratuidade da humildade. Humildade que se faz distante da prepotência, da arrogância e dos múltiplos privilégios do poder. Pelo menos é disto que fala Jesus no texto que nos é proposto refletir na liturgia deste sabadão. A conclusão apresentada por Jesus é completamente adversa daquilo que propõe a lógica meritocrática do mundo: “Porque quem se eleva será humilhado e quem se humilha será elevado”. (Lc 14, 11) A honra e os méritos de uma pessoa não devem ser baseados no orgulho e na ambição de ser mais e melhor que os outros. A necessidade de engrandecimento não contribui para o processo de identificação com as causas de Jesus. A humildade é o caminho mais curto que nos lava em direção ao ser e estar no mundo do discipulado de Jesus: “e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se servo de vocês”. (Mt 20,27) O caminho da humildade é o mesmo da mística e da espiritualidade de Jesus.

O Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965) foi o grande acontecimento da História da Igreja. Ele nos abriu os horizontes da modernidade, superando o obscurantismo da Idade Média. Nos colocou de volta na dialética do mundo. Nós latino americanos fizemos a leitura do Concílio através das Conferências Episcopais, dentre elas, Medellín – 1968 e Puebla – 1979. Medellín nos ajudou a encontrar o caminho da “Opção Preferencial pelos Pobres”, se tornado o nosso “Novo Pentecostes”, como gostava de afirmar o nosso bispo Pedro. A Teologia da Libertação, por sua vez, nos fez refletir sobre esta opção, nos tornando mais humildes, promovendo assim o encontro definitivo com as causas dos empobrecidos, marginalizados. O caminho da gratuidade da humildade, reconhecendo nos pobres os destinatários primeiros da missão libertadora de Jesus. Talvez por este motivo que a Teologia da Libertação tenha ganhado a antipatia dos conservadores reacionários, visto que na sua sede de poder, prepotência e arrogância, não trilhariam jamais o caminho da humildade com os pobres, “essa gentália”. “Quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se servo de vocês”. (Mt 20,27) Ser humilde não é ser menos que alguém. Pelo contrário, é saber que não somos mais e melhores que ninguém