Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Segunda feira da trigésima semana do tempo comum. Mais uma semana está iniciando. Talvez uma das semanas mais importantes de nossa história brasileira. A última semana do mês de outubro traz em si uma expectativa muito grande para a história de nossa vida republicana. Como educador da área de humanas, sou obrigado a observar que no próximo domingo iremos resgatar a nossa fragilizada democracia e reconstruir esta terra arrasada que se transformou a “Pátria grande”. A vida vai vencer a morte e a esperança vai nos trazer a alegria de volta para sermos felizes novamente. Como dizia o nosso cartunista Henfil (1944-1988): “Estou vendo uma esperança!” E a esperança vence o medo!

Apesar de levantarmos na segundona com a cara amarrotada e, às vezes, pegando no tranco, hoje é um dia de festa e de alegria para a Igreja Católica. Celebramos hoje a memória de Santo Antônio Maria Claret (1807-1870). Um dos maiores bispos da história da Igreja. Foi ele o fundador dos Claretianos e das Claretianas, em 1949, também conhecida como Congregação dos Filhos do Imaculado Coração de Maria. Espanhol como o seu fundador, nosso bispo Pedro era membro desta congregação, vindo posteriormente radicar no Brasil, aceitando fundar em 1968 uma missão claretiana em São Félix do Araguaia, para a alegria de todos nós preláticos.

“Se estiveres zangado, conte até dez antes de responder; e se estiveres ofendido, será melhor contar até cem”. Esta é uma das frases atribuídas a Santo Antônio Maria Claret e que faz todo sentido nos tempos atuais que ora estamos vivendo. Está difícil manter a compostura diante do cenário dantesco que passou a fazer parte o contexto sócio-político-econômico desta “Terra Brasilis”. Os ataques se sucedem numa tamanha grosseria que espanta. Tenho contado frequentemente até cem. Nunca imaginei, por exemplo, que o meu anel de tucum, sinal de meu casamento com a causa indígena e com os empobrecidos, houvesse se transformado num símbolo demoníaco para alguns incautos, que me atacam impiedosamente. Isso sem falar da teologia que me inspira na caminhada de luta.

“Na dúvida, fique do lado dos pobres”, insistia conosco, o nosso bispo Pedro. Jesus que não tinha dúvida assumiu para si o lado dos pobres como projeto de vida, começando pela Palestina dos pagãos, pobres, excluídos, rejeitados, marginalizados, mulheres, doentes, a ralé. Passou por cima do legalismo religioso hipócrita da classe judaizante de Jerusalém. Legalismo este que não levava em consideração a vida humana das pessoas marginalizadas pelo sistema da época. Uma prática doentia da Lei, que os tornava cegos para as questões vitais daquelas pessoas. Jesus rompe com esta prática, trazendo para o centro os marginalizados, devolvendo-lhes a esperança do olhar de Deus em formato de libertação para elas.

Os dias foram feitos para que pratiquemos o bem. Boas ações que são consequências de boas atitudes e compromisso com a vida. Quem é da vida luta pela vida. Jesus cura num dia de sábado em plena sinagoga: “Jesus estava ensinando numa sinagoga, em dia de sábado. Havia aí uma mulher que, fazia dezoito anos, estava com um espírito que a tornava doente. Era encurvada e incapaz de se endireitar. (Lc 13,10-11). Para o Mestre, o mais importante não era o cumprimento da Lei, mas a prática de ações libertadoras para as pessoas, independente do dia, da hora e do lugar. Estando do lado dos pobres, para Jesus o dia de sábado é a expressão máxima daquilo que Ele realiza ao curar aquela mulher. Motivo de alegria e de comemoração da pessoa libertada. Também o povo se enche de alegria ao ver como o dia santificado é sinal da vida que Deus dá as pessoas, e não um dia de simples rituais obrigatórios pré-estabelecidos pela Lei.

O texto de Lucas que hoje refletimos conclui que “a multidão inteira se alegrava com as maravilhas que ele fazia”. (Lc 13,17) E não era pra menos! Também nós precisamos dar este salto de qualidade em nossa fé, aderindo assim ao projeto libertador de Jesus. Somos ainda apegados por demais aos ritualismos, ao fanatismo religioso, ao legalismo hipócrita, estéreo e doentio. Muita reza e pouca ação! O ritualismo e sacramentalismo são tanto que nos afastam do compromisso de lutar pela vida e pela transformação da realidade a nossa volta. Uma fé desprovida de obras, diria São Tiago. Além de não assumirmos o compromisso com a vida para todos os seres, ainda nos colocamos do lado daqueles que ameaçam frequentemente a vida humana, a vida da floresta, dos povos indígenas, ribeirinhos e animais, a vida do planeta, enfim. Não há vida numa fé desconectada das obras. Ainda bem que o evangelista Mateus conclui assim sobre a Lei do sábado: “O sábado foi feito para servir ao homem, e não o homem para servir ao sábado” (Mt 2,27). Ou seja, o centro da obra de Deus é a pessoa, e cultuar a Deus é fazer o bem a esta pessoa. Não se trata de estreitar ou alargar a Lei do sábado, mas de dar sentido totalmente novo a todas as estruturas e leis que regem as relações entre as pessoas em sociedade.

 

NOTA DA EDITORIA: Os artigos assinados são contribuições voluntárias dos articulistas e não representam necessariamente a opinião oficial da UNESER.