FRANCISCO (CHICO) MACHADO. Escritor e Missionário.

Quarta feira de um pós-feriado. Depois de celebrarmos a memória dos nossos entes queridos, a vida segue em frente. Terminei o meu dia de ontem, mais uma vez, na presença dele. Pedro teve muitas visitas. “Ele continua irradiando luz”, me disse uma “professora prelazia”, como muitos de nós somos denominados por aqui. Muitos foram buscar forças estando ali com ele por alguns momentos. Esperei que todos os visitantes passassem ali pelo cemitério, para que também eu, pudesse rezar com ele, na calmaria de um final de tarde, com o sol se pondo, proporcionando um belo, mas triste entardecer.

Uma quarta feira cheia de luz, lavando a alma de todos os brasileiros e brasileiras decentes. Uma luz que veio de longe, irradiando sobre o nosso esperançamento, fazendo-nos acreditar que há uma luz no final do túnel. Walelasoetxeige Suruí, ou simplesmente, Txai Surui, da etnia Suruí-Paiter da Aldeia La Petanha, uma das 24 da Terra Indígena Sete de Setembro, em Rondônia, que faz divisa com o nosso Mato Grosso, foi a única brasileira a discursar na abertura da Conferência da Cúpula do Clima – COP26, se tornando um dos rostos mais vistos no planeta. Enquanto alguns dos nossos, optaram por fazer turismo na Europa, Txai Surui, filha da grande liderança, o cacique Almir Surui (47), deu o seu recado alto e bom som. Sem representação oficial do Brasil naquele espaço de decisão, foi preciso que uma jovem estudante do curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia (Unir), de 24 anos, desse o recado sobre como pensam os povos originários acerca das mudanças climáticas necessárias, como forma de salvar as nossas vidas.

O rosto da resistência de uma jovem mulher indígena, se fazendo presença em meio aos marmanjos. Txai, que na língua indígena quer dizer “o sopro de vida em meio ao ódio”, ou ainda “metade de você que existe em mim e metade de mim que habita em você”, fez parte de uma delegação composta por 40 representantes dos povos indígenas a participar da conferência. Txai não se fez de rogada e disse o que todos nós gostaríamos de dizer àquela gente: “Hoje o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo, nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo”.

A terra clama e somente os que estamos na linha de frente conseguimos auscultar os vagidos da terra. Não dá mais para esperar por atitudes continuamente irresponsáveis no tocante ao enfrentamento das questões climáticas. As decisões tem que ser para ontem. Ou assumimos este compromisso e nos salvamos; ou morreremos todos nesta avalanche que a cada dia, já não mais surpreende a humanidade. Não podemos esperar 2030/50, como querem algumas lideranças mundiais. “Precisamos tomar outro caminho com mudanças corajosas e globais. Vamos frear as emissões de promessas mentirosas e irresponsáveis; vamos acabar com a poluição das palavras vazias, e vamos lutar por um futuro e um presente habitáveis”, concluiu Txai na sua fala de um minuto e meio apenas.

De resistência e enfrentamento os povos indígenas entendem muito bem, afinal já são mais de 500 anos de genocídio e etnocídio de seus povos. Duas palavras fortes, mas que resumem bem o que vem acontecendo aos povos originários, desde a chegada do colonizador cruel eurocêntrico. Genocídio e etnocídio, irmãos gêmeos na dizimação. Embora diferentes, estão co-relacionados. Enquanto o primeiro trata do extermínio de todos os indivíduos integrantes de um mesmo agrupamento humano, o segundo traduz-se no extermínio de sua cultura ancestral. Mata-se o corpo e a alma de povos milenares, conhecedores de saberes ancestrais, no trato com a Mãe Natureza. De sua relação ancestral, harmônica e simbiótica com a terra, advém todo o seu saber tradicional, de como preservar a vida de todos os seres, que habitam a nossa “Casa Comum”.

A fala da jovem Txai Surui, lúcida e profética, é endereçada a todos nós. Embora sejamos um país em que o sangue indígena irriga o nosso coração, ainda não nos reconhecemos e nem nos assumimos como tais. Assim, se faz necessário passarmos por um processo de decolonialidade e deixar de lado a hegemonia do imperialismo ocidental, cuja base de sustentação se fundamenta na produção do conhecimento de episteme “eurocêntrica”, que aqui se instalou desde a chegada do branco colonizador. “Descolonizar e desevangelizar”, dizia-nos o nosso bispo Pedro, para que assumamos as causas ambientais com, e ao lado dos povos indígenas. Como Txai Surui mesma disse: “Meu pai me ensinou que devemos ouvir as estrelas, a Lua, o vento, os animais e as árvores”. Esta sua fala está em sintonia com o pensamento do Chefe Dan George (indígena norte americano): “Se você fala com os animais, eles falarão com você e vocês conhecerão um ao outro. Se não falar com eles, você não os conhecerá, e o que você não conhece você temerá. E aquilo que tememos, destruímos.”

foto: “Vamos acabar com a poluição das palavras vazias”, acrescentou a jovem líder indígena de Rondônia na abertura do evento” (Txai Suruí)