POSSÍVEL BARBEADOR COMO SACRAMENTAL

DA PRESENÇA AMÁVEL DE DEUS NA VIDA DE UM IDOSO.

Devido a morte da idosa Itelvina Rodrigues, estive no Dr. Thomas, que é uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), e encontrei-me com o “JE”. Pediu-me que lhe trouxesse um aparelho de barba. Confesso que não vi muita barba no seu rosto, e certamente ninguém tinha arrancado. Eram outras coisas que a vida tinha arrancado, mas colocado outras no lugar.

Vamos ver.

Fiz o que ele pediu e trouxe-lhe quatro aparelhos, marca Bic, que por sinal é apoiadora das Aldeias Infantis SOS, em Manaus, com foco na juventude e não na velhice.
Pensando bem, comecei a ligar a sua situação com o que leio do profeta Isaías, muito bem aplicado a Jesus, no capítulo 50.

Isaías 50
O SENHOR, Yahweh, abriu-me os ouvidos e eu não fui rebelde, nem me afastei. Ofereci as minhas costas aos que me feriam, e a minha face, aos que me arrancavam a barba; não escondi o rosto dos que me afrontavam e me cuspiam.

7. Porque Yahweh, o Eterno, me ajuda, não serei jamais constrangido. Por isso eu me opus firme como sólido rochedo e sei que não haverei de permanecer perdido”.

O rosto de “JE” estava diferente naquela manhã. De início, pareceu-me aborrecido e logo supondo algo, pois acabara de sair da portaria da instituição, vindo sentar no banco onde conversamos.
Ali, revelou seu pedido da necessidade dos aparelhos de barba e acabei notando que cortara o cabelo, o que identifiquei estar diferente a ponto de pensar estar aborrecido. Nada disso, porém.

Se não arrancaram sua barba, pelo menos sua condição de idoso sem família era real. Em parte sua liberdade estava restrita ao seu espaço institucional, com muitas normas e ameaças que introjetara devido sua mais recente aventura. Deixou o Dr. Thomas e foi morar num quarto, onde provou um abandono e uma desassistência total. Voltara com muito custo e agora tinha que se comportar bem.

O barbeador que lhe entregara se transformaria num sacramental. Se na linguagem bíblica ter a barba arrancada era sinal de violência sofrida no rosto que espelhava a dignidade de filho amado de Deus, o “JE”, em contrapartida, entendeu que ninguém o arranca a barba, mas ele a tira livremente e se enche de santo orgulho, apesar de todas as outras realidades arrancadas ou já definhando em sua vida de idoso.

A Família:
Pouco sabe por onde andam, até ouvi falar que era um homem muito forte trabalhando na feira à beira do rio. Mas não lembro de falar-me dos parentes.

A Saúde:
Homem robusto que agora anda encurvado, com dores nas costas, já parco nas palavras e gaguejando quando se atreve a falar. Ele mesmo me disse de sua mudez para não complicar vida.

A Liberdade:
O ir e vir cada dia mais limitado. Certo que seu pensamente corre livre, mas ainda tendo aborrecimento dos limites que sente. Parece que sua mente não sabe que seu corpo definha. Sua filosofia de vida chega cristalina quando conversa comigo e responde quando o provoco a falar.

GANHOS

Apesar das perdas, os ganhos estão na fé bem presentes na sua história e na velhice que chegou. Conferi isso nas palavras que já me disse em outros encontros.

A FÉ
Chegara aos lábios dele, a grande promessa de Jesus: “se creres em mim não morrereis”. E me dizia que “o corpo vai para  terra, mas a alma vai para Deus…”

A ESPERANÇA
Dizia que a gente olhasse a cruz de Jesus padecente, entregando a vida e morrendo por nós. “Tudo vai passar, e Jesus vai nos pegar nos braços”

O AMOR SEM FIM
Contou-me que “um homem morreu, chegou no céu e S. Pedro mandou o sujeito abrir a mala que estava num canto da sala. Ele foi lá e abrindo a mala, viu que estava vazia”. Disse São Pedro: “Assim que é, meu filho, a gente chega aqui sem trazer aquelas coisas da terra”. Só o Amor conta para a eternidade com Deus.

PROMESSA:
Concordou comigo que toda vez que fizer a barba, estará unido a Jesus que sofreu e morreu, mas que vivo e ressuscitado está agora dizendo que vive nele para sempre.
FIM.

Nelson Peixoto, Diretor de Liturgia da UNESER.