Sábado da Décima Sétima Semana do Tempo Comum. Agosto nos apresentando seu cartão de visita do primeiro final de semana. Estamos às vésperas da “Festa da Transfiguração do Senhor”, que celebraremos no dia de amanhã. Nestes anos em que estou aqui pelo Araguaia, agosto é sempre um mês sofrível. Nestes dias, por exemplo, estamos convivendo com as queimadas na Ilha do Bananal. Nunca entendi direito esta lógica: “queimada controlada”. Queima-se uma parte para que toda a Ilha não seja consumida pelo fogo inimigo. Queimada é queimada aqui e em qualquer outro lugar, destruindo o húmus, a flora e a fauna. A lua de ontem ficou até com vergonha de aparecer por aqui.

Resolvi nesta manhã/madrugada, rezar as margens do Araguaia. Rezei a oração dos aflitos, diante de um panorama nada animador, apesar da beleza que é cada amanhecer no Araguaia. Um cenário triste, de uma fumaça permanecendo no ar, turvando o clarear do dia. Rezei pedindo a Deus sensatez, humanidade, lucidez e coerência, para aqueles que se acham no direito de queimar aquilo que é de todos. Mesmo sendo tombada pelo Patrimônio Histórico, a Ilha abriga centenas de milhares de cabeças de gado. Enquanto não se fizer a desintrusão desta horda, dificilmente teremos ares mais limpos para respirar por aqui. Quem sabe alguém do atual governo lendo estes meus rabiscos, não tome uma providência que todos esperamos.

Um sábado em que trazemos viva a Memória de Margarida Maria Alves (1933-1983). Uma grande mulher brasileira, líder camponesa, sindicalista e defensora dos direitos humanos. Se não tivesse sido assassinada aos 50 anos, estaria completando no dia de hoje seus 90 anos. Ela foi uma das primeiras mulheres a exercer o cargo de direção sindical no país, num período trágico de nossa história, sob o domínio da Ditadura Militar. Margarida morreu lutando em defesa da terra e da Reforma Agrária. Ela que sempre repetia em sua fala resistente: “da luta eu não fujo. É melhor morrer na luta do que morrer de fome”.

Um país que ainda mata lideranças indígenas, camponeses, sindicalistas e mulheres, pretos e pobres das periferias e que ainda se diz cristão. Quando cheguei à Prelazia de São Félix do Araguaia e tomei contato com uma planilha do valor de pessoas a serem assassinadas, fiquei perplexo e triste ao mesmo tempo. De saber que a vida de um padre como eu, valia apenas 50 mil reais. Bispo valia 200 mil. Ainda bem que tínhamos um bispo que ia à nossa frente e não perdia o seu sono e nem se deixava intimidar pelas ameaças que diuturnamente sofria. Aprendemos com ele a sermos esperançosos e resistentes na teimosia que nos dizia: “Os indígenas, os negros, as mulheres, os pobres, como uma espécie de profeta coletivo, sacodem a sociedade e a Igreja”.

Neste sábado, seguimos refletindo o Evangelho de Mateus. Já não mais com as parábolas do 13º capítulo. Adentramos o capítulo 14. É importante observar que o evangelista Mateus estava muito alinhado com o judaísmo do primeiro século. Neste sentido, ele faz questão de ressaltar que Jesus teria cumprido as profecias judaicas. Para ele todo o Antigo Testamento é uma promessa de Deus para seu povo e, através deste, para a humanidade inteira. E Jesus é o realizador desta promessa. Na sua narrativa há algo de muito peculiar. Seu evangelho é o único a mencionar a palavra “eclesia” ou a “Igreja”. Os estudiosos (exegetas) dividem o seu evangelho em cinco grandes partes distintas: o Sermão da Montanha (Mt 5-7), as Instruções para a missão dos apóstolos (Mt 10), a pedagogia das Parábolas (Mt 13), as instruções para a comunidade (Mt 18), e por fim, o Sermão do Monte das Oliveiras (Mt 24-25).

Feito esta pequena introdução, vamos ao texto de hoje. Nele aparece a descrição do motivo da morte de João Batista, que fora planejada no “banquete da morte”. Um banquete marcado pelo ódio, pelas estruturas da morte, pela vaidade e pelo adultério. A verdade sendo substituída pela ganância de um algoz governante, que se sente no direito de tirar a vida do profeta, entregando sua cabeça numa bandeja, por puro prazer, satisfazendo os caprichos escusos da família. Crônica da morte anunciada. A morte do Precursor abre assim o horizonte do que estava previsto no futuro de Jesus. A morte brutal do profeta é o prenúncio da morte de Jesus. A desumanidade que obrigaram Herodes a cortar a cabeça do Precursor abre o precedente para as autoridades judaicas e religiosas para tramar e exigir a execução de Jesus. Isso porque tanto João como Jesus põem em perigo os princípios éticos vigentes. Profecia e martírio andando de mãos dadas na defesa da vida. “Felizes os que são perseguidos por causa da justiça do Senhor, porque o Reino dos Céus há de ser deles!” (Mt 5,10)