Quinta feira da primeira semana do Advento.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Apesar de todo o barulho de ontem, a chuva não veio irrigar a noite. Vendo o sol despontar nesta manhã no Araguaia, um esplendor de luz brotou a Ilha do Bananal, vestindo de dourado as águas do rio. Deus se fazendo presente em mais um dia lindo: o imanente se fazendo transcendente. Entendendo a imanência como algo que tem em si próprio o seu princípio meio e fim e a transcendência, fazendo referência a algo que possui um fim externo e superior a si mesmo. O rosto de Deus se fazendo num amanhecer de plena ternura. Tudo isso regado ao cantar das centenas de aves, afugentando a escuridão da noite no cais.

“Hoje a natureza que nos rodeia já não é mais admirada, mas ‘devorada’. É preciso voltar a contemplar; para não nos distrairmos com mil coisas inúteis, é preciso reencontrar o silêncio; para que o coração não adoeça, é preciso parar”. Esta foi uma das frases que o nosso Papa Francisco abriu um dos encontros que fez, por ocasião dos trabalhos do Sínodo da Amazônia. É preciso retomar a caminhada de contemplação das coisas de Deus que se manifestam através dos sinais da Mãe Natureza. Aprender com ela é assemelhar-nos aos povos originários que fazem dela a escola para toda vida. Aprender, aprendendo com ela, a Mãe Terra. Bem que o filósofo grego Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) sabiamente nos alertara: “A natureza pode suprir todas as necessidades do homem, menos a sua ganância”.

Estamos caminhando um passo de cada vez na perspectiva do Advento. No dia de hoje a Igreja nos traz presente a figura de Charles de Foucauld (1858-1916). Um santo do nosso tempo, “o irmão universal”, o irmão dos pobres, como era comumente chamado. Beatificado em 13 de novembro de 2005, pelo Papa Bento XVI, foi canonizado em 15 de maio de 2022 pelo Papa Francisco. Uma das frases atribuídas ao irmão Charles resume bem o que foi a sua vida: “Não deixemos nunca de ser em tudo pobres, irmãos dos pobres, companheiros dos pobres, sejamos os mais pobres dos pobres como Jesus, e como Ele amemos os pobres e rodeemo-nos deles”.

No dia primeiro de dezembro, meditamos o texto que nos vem do Evangelho de Mateus. Nele, Jesus está dialogando com os seus discípulos e, a primeira chamada de atenção do Mestre é quanto a forma de nos relacionarmos com Deus: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus, mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus”. (Mt 4, 21) 21-23:Não são as nossas palavras que nos aproximam de Deus. Lembrando que o ato de fé mais profundo que alguém pode ter é o reconhecimento de Jesus como o Senhor. Todavia, nem este ato é suficiente para termos a passagem garantida para o Reino prometido. O mais sublime dos atos é fazer a vontade do Pai, praticando a palavra de Jesus.

Em Mateus fica claro para nós que Jesus é o Mestre que veio realizar a justiça e que, portanto: “devemos cumprir toda a justiça”. (Mt 3,15). Todo o transcorrer do texto deste evangelista nos vai mostrando que, através da palavra e ação, Jesus, Ele vai conduzindo e educando os seus seguidores para a prática dessa justiça, isto é, vai ensinando como se deve realizar concretamente a vontade de Deus. Assim sendo, o ato de fé precisa ser acompanhado das ações. A coerência entre aquilo que falamos e o que vivemos no dia-a-dia é que faz com que possamos adentrar o Reino de Deus. Se o ato de fé pela palavra não for acompanhado das ações, torna-se vazio e sem sentido.

“Adorar é ir ao essencial: é o caminho para se desintoxicar de tantas coisas inúteis, de vícios que anestesiam o coração e entorpecem a mente”, alerta-nos o Papa Francisco. Viver a fé genuinamente concreta e próxima de Jesus, necessário se faz descermos dos nossos “púlpitos sagrados” e dos pedestais para estar na caminhada com o povo. Não nos basta reconhecer o Senhor, mas sermos um com Ele. Não nos basta falar de amor, mas precisamos ser amor em todas as circunstancias; não nos basta falar de perdão, mas sermos perdão em pessoa; não basta falar de solidariedade, mas sermos solidários a todas as grandes causas. A fé se vive a partir do coração, mas só pode ter vida própria e consistência se atestada nas ações que vamos edificando. “Se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida”. (Papa Francisco)