Segunda feira da 33ª semana do tempo comum.

Francisco (Chico) Machado. Escritor e missionário.

Estamos iniciando mais uma semana à caminho do final de mais um ano. Estamos já na segunda quinzena do mês de novembro. O final do ano de 2021 já se avizinha no horizonte de nossas perspectivas. Rapidamente o século XXI vai ganhando os seus contornos, não da forma que gostaríamos, pois a humanidade jamais imaginaria que fôssemos viver uma grave crise sanitária. Uma pandemia que não chega ao fim, sobretudo porque, neste atual momento, as pessoas que se recusaram a vacinar e estão colocando em risco as demais pessoas.

A cegueira do negacionismo, ainda impera entre nós. As grandes conquistas da ciência, graças aos árduos trabalhos de nossos cientistas, parecem não significar nada para um conglomerado de pessoas, que se assentaram sobre as suas ignorâncias, para proliferar à sua aversão ao conhecimento. Ignorância aqui entendida na verdadeira acepção da palavra, qual seja, a falta de conhecimento. Ou seja, pessoas que em estado de consciência, ignoram ou desconsideram informações ou fatos oriundos do conhecimento em si. Ignorância que nos leva a ruina, como bem disse Simón Bolívar (1783-1839): “Um povo ignorante é o instrumento cego da sua própria destruição”.

Não basta ter olhos físicos para enxergar. Muitos até os têm, em perfeito estado de funcionamento. Todavia, nem assim conseguem enxergar a realidade que se escancara à sua frente. Veem, mas não enxergam o que veem. Do ponto de vista da filosofia, aquilo que vejo, nem sempre pode não ser aquilo que é realmente. A realidade é algo que acontece dentro de uma complexidade, que requer um enxergar mais atento, como forma de abstrai-la na sua totalidade. Para o filósofo francês René Descartes (1596-1650), por exemplo, aquilo que vemos do mundo, não é o mundo real, mas apenas uma pequena representação interna gerada pela nossa mente.

“Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”, nos diria a raposinha no livro “O pequeno Príncipe”, de Saint Exupéry. Enxergar a realidade requer o exercício e um esforço da nossa vontade de inteirar com esta realidade. Inteirar não propriamente com os olhos, mas com o coração e a vontade de conhecê-la. Assim, não enxergaremos a realidade de forma distorcida, mas na sua amplitude. Enxergar a realidade não pelas coordenadas da razão, mas pelos acordes do coração, que sente e vibra com aquilo que vê. Isto para não corrermos o risco de fazer como aquele que ao mostrar-lhe a lua, ele simplesmente olha para a ponta de nosso dedo.

A situação que nos é detalhada no evangelho de hoje é paradigmática. O pobre cego de Jericó, sentado a beira do caminho (Lc 18,35) nos dá uma lição que nos serve de parâmetro. Ele anseia por querer enxergar de novo e se dirige à Jesus. Os que seguiam o Mestre, até tentam dissuadi-lo desta sua ideia. Ou seja, não conseguiram ver aquela realidade transparente naquela pessoa à beira do caminho. Se comportaram como muitos de nós, frente à realidade que se descortina à nossa frente: não queremos ver. Ignoramos como se ela deixasse de existir com tal atitude. Diferentemente deles fez Jesus, que ao restituir a visão, devolve-lhe também a dignidade de poder escolher que caminho seguir, por sua conta e risco.

E ele escolhe o melhor caminho. O caminho do “Kyrios”, palavra de origem grega, que significa “Senhor”, ou “Mestre” e é utilizada como sinônimo de Deus ou Jesus entre os cristãos gregos. O enxergar de novo o fez se sentir parte do discipulado como seguidor do Nazareno, assumindo um compromisso com este mesmo Jesus. Mais do que enxergar, ele assume uma dimensão nova para a sua vida, de ser instrumento de transformação a partir da realidade que agora enxerga com os olhos do coração. Este é também o desafio que nos é proposto, frente àquilo que vamos enxergando no nosso cotidiano.

Enxergar a realidade e não se calar ou contentar com aquilo que ela se nos revela. Uma realidade nua e crua que nos mostra a geografia da pobreza em nosso país. Frente a realidade dos pobres, o Papa Francisco nos interpelou ontem, para que olhássemos para os pobres no “Dia Mundial dos Pobres”. Poucas foram as mídias “católicas” que se atentaram para este olhar de comunhão. A maioria delas, influenciadas talvez pelo neo-pentecostalismo, alienado e alienante, fizeram vistas grossas aos anseios de nosso pontífice, como se fizessem parte de uma outra Igreja. Certamente aqui, com certeza, Jesus não estaria dizendo: “A tua fé te salvou” (Lc 18,42), ja que esta fé não é suficiente para nos fazer enxergar o mais que aparente, permanecendo na nossa cegueira crônica à beira da realdade.