Quarta feira da 33ª semana do tempo comum.

Seguimos na nossa trilha diária vivendo um dia de cada vez, sem ter a pretensão de que as coisas aconteçam no nosso tempo. O tempo não nos pertence.

Francisco (Chico) Machado. Escritor e Missionário.

Não devemos confrontar o nosso tempo com o tempo de Deus. Ele é o Senhor da História. Apesar de termos sidos criados à sua imagem e semelhança, somos também desafiados a tecer na história as ações que nos realizem como seres humanos, como irmãos e irmãs uns dos outros nesta Casa Comum. Somos servidores das causas do Reino.

Rezei nesta manhã acompanhado das imensas araras azuis. A sinfonia delas tagarelando em meu quintal serviu como pano de fundo de minhas humildes preces. Se sentem as tais na sua farra multicor, de galho em galho, povoando os espaços. Aproveitei para fazer a memória de muitas pessoas que não conheço, mas que sinto e as tenho dentro de mim. Depois que o irmão AVC veio morar comigo, tenho mais facilidade e sensibilidade para recordar de momentos especiais e também de algumas pessoas que, mesmo distantes, se fazem presentes em minha vida. Rezei por cada uma delas, vendo o sol descortinar a aurora, salmodiando mais um dia como dádiva do Criador.

Deus é muito bom para conosco! Mais do que Pai, Ele é uma Mãe zelosa, que acolhe fraternalmente cada um dos seus. A sua “fraternura” se estende à cada um de nós. Ele se faz presente em cada um dos seus, sobretudo naqueles que mais sofrem e estão à alijados e a margem de tudo. E não são poucos os que estão padecendo todas as formas de infortúnios. Destaco a situação em que está vivenciando a jovem indígena Txai Surui (24) e o seu pai Almir Surui (47), que vem sofrendo, sistematicamente, perseguições e ameaças por causa do discurso da moça na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, realizada entre os dias 1 e 12 de novembro de 2021 na cidade de Glasgow, na Escócia. Depois que o mandatário maior da nação, fez um comentário odioso, sobre a atuação desta menina, aumentaram ainda mais as ameaças, inclusive de morte. Aliás, o discurso de ódio aumentou terrivelmente na internet durante a pandemia.

Neste atual contexto de predomino do ódio, aqui na Amazônia onde vivemos, temos presenciado várias agressões aos povos indígenas. Uma destas ações se refere a ao despejo indiscriminado de agrotóxicos, através de aviões sobre a floreta amazônica e outros biomas, para acelerar o desmatamento de grandes áreas, abrindo espaço assim e expandindo as fronteiras para a implantação da soja e do gado bovino. Dados de um levantamento feito pela Repórter Brasil e a Agência Pública revelam que, “nos últimos 10 anos, cerca de 30 mil hectares de vegetação nativa foram literalmente envenenados. A área corresponde a 30 mil campos de futebol.”

Esta história de que a Floresta Amazônica, pelo fato de ser úmida, não pega fogo, é uma grande balela. Quando se pensa que as pessoas conhecem a História do Brasil Colônia, elas vêm com “Estórias da Carochinha”, quem nem Pinóquio, assinaria embaixo. Ao contrário, nunca que as florestas e os povos originários estiveram tão ameaçados como nestes últimos tempos de desgoverno. Basta ver o que está acontecendo, por exemplo, neste atual momento com os povos da comunidade Indígena Tabatinga, na T.I Raposa Serra do Sol, que foi invadida e atacada na tarde desta última terça feira (16), por policiais do BOPE. Segundo as lideranças indígenas locais, o ataque foi realizado pela polícia militar do estado de Roraima, durante a retirada de um posto de vigilância e monitoramento que fica dentro da terra Indígena. Esta ação truculenta deixou um saldo de 6 pessoas feridas, incluindo uma mulher. Isso sem falar nos Indígenas da etnia Yanomami, que convivem diariamente com a presença de 20 mil garimpeiros, inclusive levando doenças para os indígenas isolados.

Os tempos são outros, mas os povos indígenas ainda sonham com dias melhores, como no passado, em que reinavam absolutos sobre o chão sagrado de seus territórios. Sonhavam os sonhos de seus ancestrais, e viviam soberanamente em sintonia com a floresta. Sonho este que é também o do “Bem Viver”, em sintonia harmônica com a Mãe Terra, sem serem importunados por aqueles que buscam riquezas a qualquer custo. Como as lideranças mesmo nos dizem: “Sem floresta não tem cidades e sem os indígenas não tem floresta, porque a floresta somos nós. A Terra não é nossa, nós é que pertencemos à ela”.

Sonhamos o sonho do “Bem Viver”. Estes povos tem muito a nos ensinar numa perspectiva de pensar o “Bem Viver! Para todos. Para isso, se faz necessário combater as injustiças, os privilégios e todos os mecanismos que levam a desigualdade entre nós. Sonhar outra realidade possível. Sonhar o sonho de Deus, como Jesus sonhou em perfeita sintonia com o Pai que pensa a vida para todos e não para apenas uns poucos. É o que vemos na liturgia do dia de hoje (Lc 19,11-28). Neste sentido, não basta estar preparado, esperando passivamente a manifestação de Jesus entre nós. É preciso arriscar sempre e lançar-se à ação, para que os dons que recebemos frutifiquem e cresçam. Aí daqueles que enterrarem seus valiosos alentos e não os colocarem à serviço de uma vida onde possa predominar o “Bem Viver” para todos! Namastê – O Deus que há em mim saúda o Deus que há em você! Que venha o amanhã!

 

“Os textos dos colunistas e colaboradores não refletem as opiniões da UNESER.”