Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Quarta feira da quarta semana do tempo pascal.
Devagar vamos percorrendo os passos do mês mariano. Maria é para nós o modelo de seguimento de seu Filho Jesus. Entregou-se sem reservas ao Projeto de Deus e também fez parte intrínseca do discipulado de seu Filho. A figura da mulher na História da Salvação é decisiva. Deus atuando na história humana por intermédio de seu Filho, que encontrou guarida no ventre materno de Maria. O feminino de Deus se fazendo presente na ternura amorosa de Jesus. Mulheres que foram protagonistas no berço nascedouro do cristianismo, sendo elas mesmas empoderadas e resilientes, diante de uma sociedade completamente adversa ao feminino.

Sem protagonismo feminino e feminista, a Igreja não teria alcançado a desenvoltura que adquiriu, num período de intensa perseguição dos primeiros seguidores da “Igreja do Caminho”. Foram elas que arregaçaram as mangas e mostraram a cara, ainda na penumbra da noite, no encontro primeiro com o Ressuscitado. Foram a elas que Jesus se deu a revelar como vencedor da morte. Não se intimidaram diante do clima de medo da noite escura da agonia. Por causa desta sua atitude de encorajamento, foram elas as testemunhas primeiras do Cristo vivo. Foram elas que também encorajaram os amedrontados discípulos seguidores de Jesus, afinal a vida segue e pede passagem. A esperança vence o medo. A luz vence as trevas. O medo não pode ser superior à ousadia resistente do esperançar.

Mulheres que ainda não são devidamente reconhecidas e inseridas no processo de decisão de nossa caminhada de igreja nos tempos históricos. Elas formam a esmagadora maioria dos participantes de nossas comunidades. Entretanto, ainda permanecem relegadas a meras coadjuvantes, sem qualquer poder de decisão, nos rumos da caminhada de Igreja. Sua nulidade é tamanha que algumas delas assumiram em si uma postura clerical, sendo, muitas vezes, mais clericais que os seus próprios párocos. Também algumas religiosas, encarnaram em si este espírito patriarcal clerical, fazendo, inclusive, o confronto com as mulheres empoderadas da comunidade que tentam fazer valer os direitos femininos e feministas na sociedade plural.

O Papa Francisco, ao longo de seu pontificado, para desespero da hierarquia patriarcal machista, tem feito um esforço enorme no sentido de fazer valer o protagonismo feminino. Para ele, as mulheres são protagonistas de uma “Igreja em Saída.” Frequentemente o papa tem destacado a importância da voz feminina em diferentes ambientes sociais, “no cuidado da Criação, na gestação de um mundo mais justo, na criação do diálogo que respeite e valorize as diferenças”. Entretanto, a voz do papa soa dissonante ou não é ouvida nas muitas das dioceses espalhadas por estes rincões afora. Infelizmente, esta não tem sido a tônica dos encaminhamentos feitos por padres e bispos que se escondem por detrás de suas couraças medievais, conservando uma prática autoritária e extremamente clerical misógina.

Como se vê, a luta é árdua. Fazer parte da comunidade daqueles que fazem a caminhada com Jesus exige um pouco mais de cada um de nós. Seguir a Jesus mais de perto é muito difícil e requer uma abertura para o novo que se descortina à nossa frente. Como a liturgia desta quarta feira que nos coloca diante de um Jesus claro, sucinto e objetivo: “Quem crê em mim não é em mim que crê, mas naquele que me enviou”. (Jo 12,44) Um “crer” que exige mais do que um “confiar”, “acreditar”. Trata-se de um “ver” com os olhos, mas também com todo o ser que somos, que se chega através do conhecimento e do discernimento, de quem, de fato, é Jesus, sua origem messiânica , sua ascendência e a que veio, como enviado do Pai, em plena sintonia com este. Aceitar caminhar com Ele é o desafio que nos e colocado neste mundo, fazendo a diferença na construção de outra sociedade possível, baseada nos valores do Reino: justiça, igualdade social, fraternidade, amor, ternura, compaixão na vida como ela é, “Dom de Deus” para todos.

A vida como ela é, é “Dom maior de Deus”. Desde os primórdios da caminhada do povo de Israel, o Senhor já concebia a ideia da vida plena para os seus. Foi assim que o Livro do Deuteronômio, por exemplo já nos dizia: “Eu lhe propus a vida ou a morte, a bênção ou a maldição. Escolha, portanto, a vida, para que você e seus descendentes possam viver”. (Dt 30,19) Desta forma, a ideia ou teoria que devemos ter sobre Deus deve estar em sintonia com a palavra e ação de Jesus. Ele é a revelação do próprio Deus. E a missão de Jesus se estende a todos, mas cada um permanece livre para aceitar ou não a sua proposta. A recusa da vida, porém, traz consigo a escolha da própria morte, uma vez que todas as nossas escolhas tem as suas consequências. Que possamos então dizer com o salmista: “Quando eu caminho entre perigos, tu me conservas a vida. Estenda o teu braço contra a ira do meu inimigo, e a tua mão me salve”. (Sl 138,7