FRANCISCO (CHICO) MACHADO, Escritor e Missionário.

Quinta feira da 31ª semana do tempo comum. Uma manhã bastante molhada no Araguaia. As chuvas chegaram pra valer e regam o chão miudamente das nossas matas, fazendo reviver aquilo que fora destruído pelo fogo. A natureza vai revigorando aos poucos, depois de ser sistematicamente agredida. Antes de começar propriamente a minha oração matinal, tive que praticar um gesto humanitário. Depois da chuva que caíra por toda a noite, dois filhotes de sabiá, caíram do ninho do pé de acerola, para desespero da mamãe sabiá. Alojados novamente no ninho, a cuidadosa mamãe, tratou de agasalhar e aquecer os seus bebês, alojando-os sobre si, sem se importar com a minha presença ali entre eles. Bom porque os pobrezinhos estavam tremendo de frio sobre a minha mão.

Uma quarta feira em que a Igreja celebra a Festa de São Carlos Borromeu (1538-1584).
Carlos, um italiano de rara inteligência, foi um dos cardeais e Arcebispo de Milão, sendo o primeiro bispo a pensar a estrutura de seminário, para cuidar da formação dos futuros sacerdotes. A tradição se espalhou e centenas de milhares destes espaços foram criados, formando muitas pessoas, seja no campo da formação humana, intelectual e cristã. Eu jamais seria quem sou e onde estou, sem os meus 10 anos de formação, pelos seminários redentoristas por onde passei. Se bem que o padre Victor Coelho de Almeida, tinha uma frase emblemática sobre os seminários. Dizia ele: “A cana é boa, os engenhos é que não prestam”, referindo-se à má formação proporcionada por alguns dos nossos seminários.

Certamente que São Carlos Borromeu não imaginava que os seminários não cumprissem com a sua especificidade, no que diz respeito a formação dos futuros padres. Segundo os últimos estudos, há uma séria defasagem na formação de alguns destes jovens sacerdotes, nos espaços dos seminários. Tal defasagem se deve ao fato de que uma parcela dos seminaristas, são avessos à leitura, ou leem muito pouco, refletindo aquilo que está presente também na sociedade, onde as pessoas, inclusive os profissionais da educação, que leem cada vez menos. Esta defasagem formativa acaba transparecendo nas reflexões homiléticas vistas nas celebrações por aí afora.

Os seminários formam pessoas, mas a opção de estar deste ou daquele lado, vai de cada um dos formandos. Todavia, as estruturas de grande parte dos seminários, favorecem para a formação de “pequenos burgueses”, que dificilmente estarão fazendo a opção de estarem ao lado dos pobres e daqueles que mais sofrem, vítimas da estrutura de uma sociedade que produz a desigualdade. Alguns até criticam veementemente aqueles que fazem, de fato, a opção pelos pequenos, estigmatizando-os de “comunistas”, “esquerdistas”, e até “petistas”. Esquecem-se estes que todos os dias vão dormir abraçados com o “dragão do capitalismo”, que se alimenta da exploração e do sangue de tantas vidas humanas.

Bem fez Jesus, que andava na companhia de prostitutas, leprosos, cobradores de impostos, publicanos e pecadores, para desespero de fariseus e mestres da Lei que também o criticavam por andar no meio da ralé e inclusive com eles fazer a refeição. Jesus se contrapõe a hipocrisia das autoridades, sendo solidário com os pecadores e se fazendo presença no meio deles, assegurando-lhes de que Deus tinha uma predileção especial por eles. Jesus não somente convivia com eles, mas também mostra que somente aqueles que passarem por esta lógica, são capazes de absorverem em si o Reino de Deus. Reino que começa acontecer na trajetória histórica de libertação de todas as formas de exploração dos pequenos, inclusive religiosa, como fica constatado na relação das autoridades do tempo de Jesus, que menosprezavam os pobres e os excluíam com suas atitudes farisaicas.

Jesus veio inaugurar o Reino de Deus entre nós. Reino pensado não como uma realidade distante do processo histórico vivenciado pelos pequenos. Reino que se faz presente nas ações messiânicas libertadoras de Jesus, promovendo os pobres e os tornando protagonistas de sua própria libertação. Reino no aqui e agora da história. O já e ainda não, uma vez que o projeto de Deus se estende e se complexifica na dimensão escatológica da vida definitiva. Dimensão escatológica do Reino que haverá de suceder depois do fim do mundo e da humanidade, que será o clímax da Revelação Divina. Esta terminologia “escatologia” passou a ser utilizada pelos estudiosos por volta do século XIX, fazendo a junção de duas palavras gregas “eschatos”, que quer dizer “último” e “logos“, “palavra”. Ou seja, o Reino que se inaugura na história humana, mas que tem o seu fim último em Deus, que “se alegra muito mais por um só pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão” (Lucas 15,7).

 

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