Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Quarta feira da vigésima primeira semana do tempo comum.

Neste dia a Igreja Católica celebra a Festa de São Bartolomeu. Um dos primeiros apóstolos de Jesus de Nazaré. Também chamado de Natanael, que fora apresentado a Jesus pelo apóstolo Felipe. Esta data foi escolhida em virtude da morte do santo que foi esfolado vivo no dia 24 de agosto de 51 d.C. São Bartolomeu faz parte assim da história do martírio, a que foram submetidos os primeiros cristãos seguidores de Jesus. O martírio é a semente da esperança daqueles que acreditam que é preferível sofrer uma injustiça do que cometê-la. Bartolomeu é o santo padroeiro dos padeiros, dos alfaiates e dos sapateiros.

Como somos um povo miscigenado, ou seja, constituído da mistura de várias raças, povos e de diferentes etnias, multirraciais, a Religiões de Matrizes Africanas nos trazem também neste dia 24 de agosto a festa dos orixás Iansã, Obá e Xangô. Todavia, como temos entre nós um sincretismo religioso saudável, muitas figuras dos santos e santas católicas passaram a representar orixás para as religiões afro, da Umbanda e do Candomblé. O apóstolo São Bartolomeu, por exemplo, é representado pelo orixá Oxumaré no candomblé. Basta um pouco mais de tolerância religiosa para conhecer, entender e conviver pacificamente, respeitando cada uma destas matrizes religiosas. Respeito é bom e a gente gosta, diziam os mais antigos.

No entanto, vivemos nos dias de hoje um clima de profunda beligerância. A atmosfera de ódio, rancor e mentira marcam as nossas relações, ainda mais nestes tempos eleitorais. As pessoas não conseguem discutir ideias, concepções, conceitos, mas partem deliberadamente para o confronto num ataque cruel à pessoa humana. Não se discute concepção de mundo e de sociedade, mas discute pessoas, como se elas não representassem os projetos de sociedade das classes sociais que elas representam ou estão aliadas. Precisamos desarmar a violência que impera de forma truculenta, sobretudo nas redes digitais. Deixe de lado a sua arma para eu passar com a minha paz!

Somos os filhos e filhas da paz. Não podemos nos conformar com uma sociedade que se estrutura na violência, no ódio e na mentira. A paz é a única forma que nos caracteriza como seres humanizados. Quando perdemos esta essência, descemos ao nível mais baixo que o dos animais, desumanizando o nosso ser. Desumanizar é a negação da humanidade plena em nós e nos outros, deixando que a crueldade assuma o espaço do nosso ser interior. A humanidade de Deus vive dentro de nós, através de seu Verbo encarnado. Quando nos desumanizamos, deixamos perder em nós o Divino que é Deus. Nossa essência já não é mais a mesma, pois permitimos que o ódio corroa as nossas entranhas desumanizadas.

Bom mesmo é o ser humanizado que é Jesus. Tão humano que só poderia ser mesmo Divino. O Divino se fazendo humano em sua totalidade e nos possibilitando alcançar a Divindade em Deus. Jesus que se relaciona bem com Deus e conosco, como nos mostra a liturgia desta quarta feira: “Aí vem um israelita de verdade, um homem sem falsidade”. (Jo 1, 47) Ao conviver com este Jesus, os homens vão percebendo e descobrindo quem Ele é: o Mestre, o Messias, o Filho de Deus, o Deus-conosco. Esta é também a mesma experiência de fé que poderemos fazer na nossa trajetória histórica: enquanto caminhamos com Jesus de Nazaré, o Cristo, vamos avançando no conhecimento a respeito d’Ele e vamos assim assumindo o compromisso com as suas mesmas causas.

As causas de Jesus são as mesmas causas dos pobres e marginalizados. Assumir caminhar com Ele é assumir caminhar com os pobres em todas as suas circunstâncias. Natanael, ou melhor, São Bartolomeu deu a sua vida por estas causas. Somos também chamados a dar a nossa vida por tais causas. Ser do pobre e com os pobres, é ser do Evangelho, é ser da turma de Jesus. É ser sinal de contradição em meio a uma sociedade marcada pela marginalização e pela extrema desigualdade. É ser coerente no seguimento de Jesus, como nos alerta Santo Oscar Romero: “É ridículo dizer que a Igreja se tornou marxista. Porém há um ‘ateísmo’ mais próximo e mais perigoso para nossa igreja: o ateísmo do capitalismo, quando os bens materiais se tornam ídolos e substituem Deus”. São Bartolomeu (Oxumaré), rogai por nós, pobres mortais!