Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Segundo domingo da quaresma.
Caminhamos a passos firmes rumo à Páscoa. Um dia de cada vez, fazendo o itinerário do próprio Jesus, rumo ao seu calvário. No caminho nos deparamos também com os “nossos calvários”. Muitos obstáculos, mas o nosso rumo e direção é chegar à Páscoa d’Ele com Ele. Uma luz nos convida a seguir adiante, apesar de todos os percalços. Os tempos são difíceis, mas a luz da esperança, vinda do coração de Deus, desponta no horizonte de nossa estrada, onde haveremos de chegar na pessoa do Cristo Ressuscitado, que nos aguarda, para formamos com Ele a grande família dos filhos e filhas de Deus.

Finalmente estou em casa. Cheguei ontem, depois da maratona de duas semanas de exames e consultas na cidade de Goiânia. Coração e cabeça estão batendo e pensando no compasso de um motor 6.4. Algumas alterações próprias e características da idade do motor. Bom saber que posso continuar a minha missão, junto aos povos indígenas mais tranquilo, sabendo que ainda posso dar muito de mim neste processo. Estar longe do Araguaia não é o melhor remédio para a minha saúde. Eu não saberia viver longe daqui, desta Igreja e dos povos originários. Posso dizer que nasci para isso. Sou feliz no Araguaia. O tempo todo que passei longe desta vez, vinha sempre em mente uma das estrofes de uma canção mineira: “Não precisa ter, um pontinho preto no mapa, mas quando a gente se afasta, coração pede pra voltar”.

Agora posso seguir daqui com os meus rabiscos diários. Eles também me fizeram falta nestes dias todos. É uma forma que encontrei de ser útil nas redes digitais, levando uma palavra que oportunize a reflexão de algumas pessoas, que ainda perdem o seu precioso tempo, para ler o que escrevo. Sei que algumas pessoas não lerão o que escrevo, até porque, quando passa de um quantitativo de linhas escritas, a leitura não persiste. Como me alertou um amigo: “você tem que escrever de forma mais sucinta, assim alcançaria o maior número de pessoas”. Não me senti convencido, e vou permanecer com os mesmos rabiscos de sempre, fazendo a minha parte na provocação da discussão.

Provocação que nem bem cheguei em casa para situar sobre algumas delas. No trajeto de volta dos 1.100 km de Goiânia a são Félix, encontrei-me com algumas lideranças indígenas muito preocupadas. Não há de ver que os deputados federais, mais uma vez trabalharam contra as causas indígenas? Ou seja, nesta semana que passou (09), o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, a toque de caixa, por 279 votos a 180, o requerimento do líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), para tramitação em regime de urgência do Projeto de Lei 191/20, que possibilita a mineração em terras indígenas. Os nada “nobres” deputados, fazendo o favor de abrir de vez as porteiras dos territórios indígenas para “passar a boiada”. Tem razão os povos indígenas estarem preocupados, afinal será a legalização de muitas outras invasões que já estão ocorrendo em seus territórios.

Como se não bastasse, outro deputado aqui do nosso estado, tem um projeto que está tramitando na Câmara dos Deputados, (Projeto de Lei 337/2022), que pretende promover a exclusão do estado do Mato Grosso da chamada Amazônia Legal. Lembrando que a região é composta também por Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. Tudo no intuito de driblar o Código Florestal brasileiro, que prevê que as propriedades no bioma amazônico devem manter 80% da vegetação original conservada, a chamada Reserva Legal. Se a tragédia deste fatídico projeto for aprovado, o percentual de preservação obrigatório no Mato Grosso cairá para 20%, abrindo assim as terras indígenas para a exploração do agronegócio, das madeireiras, dos pecuaristas, dos garimpeiros. Triste, mas é este cenário da lógica capitalista, que se descortina para os povos indígenas, nos fazendo lembrar de uma das frases ditas pelo Papa Francisco: “Este sistema capitalista, com a sua lógica implacável, escapa ao domínio humano. É preciso trabalhar por mais justiça e cancelar este sistema de morte”.

O grande chamado que nos é feito pela liturgia de hoje é para descermos da montanha e de nosso comodismo e do descompromisso e encaramos a realidade de frente (Lc 9,28b-36). O “Monte Tabor” é um lugar prazeroso e aconchegante, mas os embates da vida se dão na planície de nossa existência. É para lá que somos chamados a agir, no processo de transformação da realidade. O esperançamento de Deus está presente na luz que é Jesus. É com Ele que vamos também fazendo o esperançar de nossas vidas, construindo o Reino no aqui e agora. Por mais dificultosos que sejam os obstáculos, não estamos sozinhos nesta empreitada. Conosco vai Jesus e todos aqueles e aquelas que abraçam as mesmas causas. Já chega de uma Igreja que fica o tempo todo orando nos seus “montes tabores”, sem acrescentar uma vírgula sequer no processo de transformação desta realidade.

https://www.youtube.com/watch?v=LJo2YTblU00