Terceiro domingo do tempo comum. Já estamos no quarto e penúltimo domingo do mês de janeiro. Os dias seguem velozes, adentrando o ano de 2022. Um ano especialíssimo para os amantes da boa cultura, da arte e do pensar moderno. Celebraremos neste ano o Centenário da Semana de Arte Moderna, que ocorreu entre os dias 11 a 18 de fevereiro, no Theatro Municipal de São Paulo. A “Pauliceia Desvairada” foi palco de um movimento que introduziu o Modernismo em nosso imaginário sociocultural, marcando profundamente os rumos de nosso pensar, seja na literatura, na poesia, na música, nas artes plásticas, nas esculturas…

Se 2021 foi o ano do Centenário de Paulo Freire, 2022 é o ano que nos voltamos para o ano de 1922. Ali o Brasil deu um salto histórico e não foi mais o mesmo, depois da Semana de Arte Moderna. Ainda ressoa em meus ouvidos o entusiasmo e a empolgação da Professora Zilda, na condução das aulas de literatura, lá no Seminário Santo Afonso (1977). Falava da Semana de Arte Moderna como se dentro dela estivesse. Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Di Calvacanti, dentre outros, passeavam pelo nosso imaginário, pelo brilho dos olhos da professora, deixando-nos atônitos de puro encantamento. Li fascinado tudo o que me caíra às mãos, de tão apaixonado que fiquei por este movimento revolucionário.

Hoje, resolvi acordar o Rio Araguaia, que acordado já estava, fazendo o seu percurso natural em forma de majestade e imponência. Está belo e transbordante! É só encantamento. Um mar de água que se estende sobre as nossas vistas, levando-nos a poetizar, mesmo sem o dom para tal. “O sol hoje veio nervoso”, como bem me disse um dos contempladores que ali se encontrava. Ver os raios dourados refletindo sobre aquele espelho d’água é um privilegio de poucos, que sabem testemunhar ali a presença teofânica inefável de um Deus que é só amorosidade e ternura. Como não conceber a existência de um Deus que se faz presente naquele cenário?

Liturgicamente, estamos no Ano C. No Ano A, deparamos com o Evangelho de Mateus. No Ano B, é a vez de Marcos. Já no Ano C percorremos o Evangelho de Lucas. Tudo para que tenhamos o conhecimento mais amplo da proposta de Deus trazida por Jesus. Este Evangelho de agora fora escrito por volta do ano 50, depois da Ressurreição de Jesus. Provavelmente, nenhuma das testemunhas oculares do Jesus Histórico estivesse mais viva. É o terceiro dentre os evangelhos sinóticos. Lembrando que o ponto alto da escrita deste evangelista, são as palavras ditas pelo Mestre no alto da Cruz: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. (Lc 23,46). Com a sua morte, Jesus entrega-se totalmente a Deus e a nós, em consequência do seu compromisso de vida voltada para os pobres e oprimidos, provocando assim toda a violência do sistema baseado na riqueza e no poder.

Lucas tem uma preocupação peculiar de dizer para nós o “Caminho” percorrido por Jesus. Um caminho pedagógico que nos ensina a fazer a história dos pobres que buscam um mundo mais justo, mais humano e mais fraterno, no seu anseio por libertação. Trata-se do Projeto de Deus que vem inaugurar uma ordem nova, a libertação que leva as pessoas à uma relação de partilha e fraternidade, substituindo as relações de exploração e dominação. É o “Caminho da Vida”, pensada e sonhada por Deus para aqueles que, com Jesus trilham nesta mesma estrada. É um educar das pessoas para que possam assumir um novo modo de ser, viver e agir neste mundo. Pelo seu caminho pedagógico, Jesus é o educador que nos mostra, pela sua palavra e ação, sua Morte, Ressurreição, o caminho seguro que nos leva à salvação e a comunhão com o Pai, fonte e fim de toda a vida.

Hoje nos deparamos com uma das páginas mais conhecidas do Novo Testamento. Aliás, é uma referência direta à um texto escrito pelo profeta Isaías. (Is 61, 1-2) Estando na sinagoga, Jesus lê um texto que diz respeito a si mesmo. O Messias sendo anunciado pela boca do profeta no século VIII a.C.. E, para desespero das autoridades político-religiosas que ali se encontravam, ao término da leitura do texto, Jesus conclui: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. (Lc 1,21) Uma mensagem que se faz atual no hoje de nossa história, na medida em que vamos fazendo também nós, o mesmo caminho percorrido por Jesus, fazendo dos pobres os destinatários primeiros da predileção de Deus. Assim como as comunidades primitivas, como Igreja, somos interpelados a assumir a didática pedagógica de Jesus e colocar os pequenos no ideário do Projeto de Deus. Sonhar o sonho de Deus! Se sonhar já é bom, melhor é quando vivemos os sonhos que planejamos. Melhor ainda é viver os sonhos que Deus planejou para cada um de nós. Que se cumpra em cada um de nós estas palavras anunciadas e vividas por Jesus!