Sexta feira da vigésima segunda semana do tempo comum.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Sextou pela vez primeira no mês da Bíblia. Setembro chegou dando as cartas. Ver o pé de cajazinho se vestir de verde é o sinal primeiro de que a natureza segue se renovando, a caminho da primavera. Três semanas nos separam dela. Dentro em breve poderemos cantar com o nosso menestrel Zé Vicente, com o refrão de uma de suas canções: “Novo céu e nova terra. Primavera já chegou!” As folhas já não desnudam mais as galhas das árvores. Outras novas incorporam ao tronco, dando roupagem e nos provando que a vida segue o seu curso natural. Aprendizado constante como já nos dizia a nossa poetisa e escritora Cecília Meireles (1901-1964): “Aprendi com a primavera a deixar-me cortar e voltar sempre inteira”.

Aprender com a vida. Aprender com a Mãe Natureza, como fazem os povos originários. Lembro-me da primeira vez que pisei um território indígena, lá pelos idos de 1992, quando cheguei à Prelazia de São Félix do Araguaia. Fui orientado por um pajé Iny, a retirar as sandálias dos meus pés e pisar naquele espaço sagrado, “para sentir a energia da terra”, como ele mesmo fez questão de me dizer. Senti todo o meu corpo arrepiar, ao tocar aquele chão sob os meus pés. De lá para cá, este é o meu ritual, assim que chego às aldeias. E já se vão trinta anos de aprendizagem. Aprender também na mesma direção com o Papa Francisco: “Os rios não bebem sua própria água; as árvores não comem seus próprios frutos. O sol não brilha para si mesmo; e as flores não espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza”.

Natureza que nos ensina e nos faz caminhar rumo ao horizonte de nossas realizações. Natureza que se renova no mês de setembro, o mês que a Igreja nos reserva como especial para aprender com a Bíblia, este conjunto de livros que constitui uma verdadeira biblioteca. Para nós católicos e também para os Ortodoxos, ela constituída por 73 livros, sendo 46 do Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento. Bíblia, a Palavra de Deus inspirada, que nos orienta e alimenta a nossa fé, cujo Padre Zezinho assim resumiu em uma de suas canções: Toda bíblia é comunicação. De um Deus amor, de um Deus irmão. É feliz quem crê na revelação. Quem tem Deus no coração”.

Bíblia que nos ensina a rezar, dentro do contexto da liturgia proposta para cada um dos dias de nosso lecionário litúrgico. Nesta sexta feira, seguimos rezando com a comunidade do evangelista São Lucas. Como de costume, mais uma vez vemos os fariseus e mestres da Lei confrontando Jesus: “Os discípulos de João, e também os discípulos dos fariseus, jejuam com frequência e fazem orações. Mas os teus discípulos comem e bebem” (Lc 5, 33) Lembrando que tanto os fariseus quanto os mestres da Lei estavam intrinsecamente ligados a Lei, tanto no modo de escrever quanto no interpretar. Eram pessoas profundamente eruditas e ligadas a Torá, fundamentada nos cinco primeiros livros da Bíblia. Especializaram-se em fazer uma interpretação (hermenêutica) fundamentalista da Bíblia. Ou seja, eram pessoas “religiosas”, que recusavam o engajamento político e pensavam em obter a salvação do povo e do país apenas por uma devoção piedosa.

“O essencial é invisível aos olhos”, já nos dizia a raposinha do livro “O Pequeno Príncipe”, de Saint Exupery. Jesus também vai alertar aqueles “sábios e eruditos” fariseus e mestres da Lei que o essencial não estava sendo acolhido por eles por causa da dureza de seus corações. Jesus vai lhes mostrar que o período que ora se inaugura é o da Nova Aliança. É por este motivo que vai encontrar resistência por parte daqueles e daquelas que estão habituados às estruturas do velho sistema, que não se predispõe à mudança, jamais aceitam a novidade trazida por Jesus, mesmo sendo Ele o Messias, Verbo de Deus encarnado: “Ninguém, depois de beber vinho velho, deseja vinho novo; porque diz: o velho é melhor”. (Lc 5,39)

Jesus não veio para reformar ou reformular nada. O Projeto de Deus que Ele representa, exige mais do que uma simples atitude: uma mudança radical do modo de ser, pensar e de viver. Fazer do Projeto de Deus o nosso projeto de vida. Incorporar em nossas ações cotidianas as ações do Reino de Deus. Até porque, Jesus não veio anunciar esta ou aquela religião; esta ou aquela Igreja. A ação de Jesus, sua prédica e prática, consistiram em anunciar o Reino de Deus. Por este motivo, as nossas ações precisam ser direcionadas para a instauração do Reino de Deus no meio de nós. Não vivemos para a nossa religião, ou para a nossa Igreja. Vivemos sim, para trazer o Reino de Deus em nós. Vidas pelo Reino, como bem resumiu o Papa Francisco: “A vida é boa quando você está feliz; mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua causa”.