FRANCISCO (CHICO) MACHADO. Escritor e missionário.

Sextou mais uma vez! Para nós católicos, uma sexta feira da 30ª semana do tempo comum. É assim que a liturgia define este dia de uma manhã de intenso calor, como tem sido estes últimos dias. Estamos colhendo os frutos que plantamos. O aquecimento global se faz realidade, provocando mudanças climáticas bruscas no nosso modo de vida no planeta. Não somente em relação ao forte calor, mas nas manifestações atípicas em forma de chuvas torrenciais, tempestades de poeira, ventos avassaladores, granizos. Lembrando que o Brasil ocupa o inglório terceiro lugar, em produção de gases poluentes, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos.

Calor a parte, vamos nos adaptando conforme as circunstancias. Vida que segue! Não dá para parar o/no tempo. Somos desafiados a trocar o pneu com o veículo em movimento. Em meio a tantas contradições, somos obrigados a encontrar o ponto de equilíbrio em nossas vidas, para não nos sucumbirmos a avalanche que nos rodeia e sermos acometidos pelas enfermidades do momento: angústia, depressão, falta de perspectivas, insegurança, desesperançamento. Neste contexto de pandemia, as pessoas estão sendo afetadas profundamente em sua saúde mental.

O ano de 2021 tem sido um marco primordial para muitos acontecimentos importantes em nossa caminhada. Neste ano, por exemplo, as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, estão celebrando os 40 anos do livro “Igreja: carisma e poder” do a época Frei Leonardo Boff, OFM. Um dos livros que caiu como uma luva na nossa histórica caminhada desta igreja, que se organiza em meio aos empobrecidos das galileias dos tempos de hoje. Uma Igreja que busca ser fiel ao Projeto de Deus, nas mesmas pegadas de Jesus de Nazaré. Comunidades que se organizam em pequenos grupos, numa vivência de fé, com vistas à libertação das dificuldades da exploração à luz da Palavra de Deus, buscando melhores condições de sobrevivência.

“Igreja: carisma e poder”, nasceu no berço das CEBs e se tornou o livro de cabeceira de muitos de nós, que caminhávamos com este povo sofrido, semeando a esperança de um Deus companheiro de luta. Nesta sua obra, Boff parte do principio de que a Igreja é o Sacramento vivo do Espirito Santo, que está presente na vida dos pobres, não necessitando necessariamente das estruturas hierárquicas clericais estruturadas, uma vez que o Espírito é dado a todos do povo de Deus. Desta forma, o modelo institucional, sede lugar ao carisma (dom do Espírito) que é o princípio organizador e norteador da experiência de fé da comunidade com Jesus, lutando contra as injustiças sistêmicas. https://www.academia.edu/8569958/Boff_leonardo_igreja_carisma_e_poder

Por fim, o livro traz uma vasta reflexão, onde o poder é entendido na mesma na concepção Jesuânica: “Entre vocês não deverá ser assim: quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês; e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se servo de vocês. Pois, o Filho do Homem não veio para ser servido.” (Mt 20,26-28) Ou seja, não um poder para estar a serviço da instituição, de bispos que se encastelam em seus palácios, ou de padres e religiosos que se escudam nas suas vidas confortáveis, mas que fazem de suas vidas uma entrega confiante na perspectiva da luta de libertação dos pobres e oprimidos.

Um livro revolucionário para os padrões de uma Igreja hierárquica, clerical, piramidal eurocêntrica, onde os seus bispos mais se pareciam a reis medievais, na defesa de uma estrutura masculinizada de poder institucional. Não somente o livro foi perseguido, mas também o seu autor, Leonardo Boff, que fora punido com o “silêncio obsequioso” de um ano imposta, pelo cardeal Joseph Ratzinger, a mando do Vaticano, no ano de 1985, no pontificado de João Paulo II. Se o livro já era uma unanimidade entre o pensamento progressista da Igreja, passou a ser um best seller nos meios acadêmicos a partir de então.

Como a lei, a hierarquia não pode sufocar a ação do Espirito. A lei tem que estar à serviço das pessoas e não o contrário. Jesus sempre insistiu nestas prerrogativas. Para Ele, a lei tem que estar a favor da vida das pessoas. Pelo menos é isto que está sendo dito no texto da liturgia de hoje. Se para a mentalidade judaica, não havia nada mais sagrado que o sábado, para Jesus, a lei do sábado deve ser interpretada como libertação e vida para as pessoas. Principalmente porque o centro da obra de Deus é a pessoa humana. Desta forma, cultuar a Deus, antes de tudo é fazer o bem à pessoa humana. As pessoas estão acima da lei. Elas devem ser criadas para possibilitar as pessoas terem mais vida. Assim, na compreensão de Jesus, toda lei que oprime a pessoa é lei contra a própria vontade de Deus, e deve ser abolida. O legalismo mata! Ele ofende frontalmente a justiça de Deus, porque julga as pessoas segundo os critérios morais humanos e não em termos de uma comunhão com a pessoa do Ressuscitado presente entre nós.