Terça feira da trigésima primeira semana do Tempo Comum.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Primeiro dia do mês de novembro. Solenidade de Todos os Santos e Santas de Deus. Pessoas simples do meio do povo que foram capazes de abraçar as mesmas causas de Jesus, dando por elas a sua vida. Nunca nos esqueçamos que o cristianismo nasceu sob a insígnia do martírio. Aqueles que mataram Jesus não se contentaram e espalharam o terror sobre todos aqueles e aquelas que seguiam os passos do Nazareno. Ser cristão neste mundo é ser sinal de contradição, diante de uma sociedade dos lucros fartos, da ganância, da avareza, promovendo toda forma de desigualdade social.

Novembro chegou junto com as chuvas abundantes que caíram intermitentemente por toda a noite aqui pelas terras da Prelazia de São Félix do Araguaia. O Araguaia recebendo as benfazejas águas do céu. Aos poucos, suas vísceras são cobertas, tornando-se o rio caudaloso que todos conhecemos. Sou feliz no Araguaia! Paixão a primeira vista. Trinta anos de uma relação de afeto e cumplicidade junto aos povos indígenas, nestas margens que alimentam o meu sonho da utopia por outro mundo melhor para todos. Aprendi de Pedro a olhar para este Rio em forma de poesia como ele: “Eu, Araguaia e tu, um tempo só. Abraamicamente numerosas, nos garantem o sonho proibido as estrelas, lá fora canceladas”. (Eu, Araguaia e Tu – (Pedro Casaldáliga)

“Sede Santos assim como o vosso Pai celeste é Santo”. (Mt 5,48) Esta é a proposição que nos é feita no desafio do seguimento de Jesus de Nazaré. Ser integrante do discipulado d’Ele é estarmos preparados como filhos a testemunhar a justiça do Pai. Justiça esta que se constitui numa nova ordem da história, onde os pequenos, sem voz e sem vez, tenham a oportunidade de se realizarem como pessoas dignas do bem viver. Deus é justo! As injustiças surgem nas nossas relações humanas em que alguns dos nossos, se sentem no direito de acumular para si aquilo que é bem de todos e para todos, contrariando o sonho de Deus. Que possamos viver esta realidade nova em Deus, acreditando naquilo que fora dito por Santo Inácio de Loyola: “A vitória mais bela que se pode alcançar é a vitória sobre si mesmo”.

Como o sincretismo religioso está presente em nós, hoje é um dia também especial para as Religiões de Matriz Africana. Elas hoje celebram o Orixá Oxumaré, que também é conhecido como Òsùmàrè. Este orixá é o responsável pelo dinamismo dos movimentos de rotação e translação da Terra. Segundo a tradição destas religiões, Oxumaré mora no céu e vem à Terra visitar seus filhos e filhas por meio do arco-íris assegurando a renovação da Terra por meio dos seus ciclos que se renovam periodicamente. Oxumaré é transformação. A união dos opostos, sintetizando a mortalidade corporal e a imortalidade espiritual de cada um de nós.

No Reino de Deus todos e todas podem sentar-se a mesa e há comida e bebida para todos, a não ser que, por opção, não queiramos dele participar. “Feliz aquele que come o pão no Reino de Deus!” (Lc 14,15) Na liturgia deste dia de hoje, Jesus ainda está na casa de um dos chefes dos fariseus. Ele nos ensina que muitos foram os convidados para estar a mesa com Ele, mas as desculpas também foram muitas, justificando o não estar ali. Observamos que o mesmo também acontece conosco, já que somos chamados para fazer parte do banquete da vida e recusamos o convite para dar prioridade as nossas mazelas que se configuram em desejo de riqueza, ganância, acúmulo, arrogância, prepotência, ódio, vingança e todas as formas de desamor. O banquete da vida está servido, mas muitos se recusam dele participar.

Já que houve rejeição por parte dos convidados, os pobres são os destinatários primeiros do banquete do Reino: “Sai depressa pelas praças e ruas da cidade. Traze para cá os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos”. (Lc 14,21) Resumindo, o Reino de Deus é apresentado por Jesus como banquete em que Deus reúne os seus convidados. Ainda que os representantes oficiais e os habituados à religião recusem o convite, dando prioridade e importância aos seus interesses pessoais e aos próprios afazeres, o Reino permanece aberto para aqueles e aquelas que comumente são julgados e condenados como excluídos: os vulneráveis e marginalizados da sociedade e da religião. O Pão do Reino está servido, você também vai recusar? Tomara que você não arranje também uma desculpa esfarrapada para não se fazer presente no Reino da Vida.