Sábado da Quarta Semana da Quaresma.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Estando dentro do Período Quaresmal, celebramos neste sábado a “Solenidade da Anunciação do Senhor”. Contados daqui até o Natal, serão nove meses, tempo previsto de gestação do Menino no ventre de Maria. Deus que vem visitar o seu povo e, através desta intervenção, vem fazer morada em nossa história humana. O Verbo de Deus se fazendo gente como a gente. (Jo 1,14) No seio materno de uma mulher pobre, Deus vem estar conosco na pessoa do Filho. Ele que quis contar com a contribuição decisiva de uma mulher simples da periferia de Nazaré. O protagonismo mulher participando da História da Salvação.

Antes de falarmos desta importante caminhada histórica de fé, no dia de hoje também comemoramos o “Dia da Constituição”. Apesar da nossa última Carta Magna, ter sido promulgada no dia 5 de outubro de 1988 (35 anos), este dia foi escolhido como o Dia da Constituição porque nesta data, em 1824, foi promulgada pelo imperador D. Pedro I, a primeira Carta Constitucional do Brasil. Este documento é importante, pois foi através dele que houve a organização das instituições políticas e jurídicas na pós-independência. Muito embora, ainda fica uma pergunta para o historiador sério: “independência de quem e para quem?

Deus entra na história humana através do protagonismo de uma mulher. Ele que quis contar com a participação feminina, sobretudo porque a mulher para a comunidade judaica era tida como um ser inferior. A mulher entre os judeus nada mais era que um objeto que pertencia ao marido. Apesar de ter a obrigação de fidelidade ao seu “dono” (marido), por principio, ela era considerada infiel, desvirtuada, leviana e falsa. É por este motivo que, diante do tribunal, sua palavra não possuía valor algum, pelo fato de ser mulher. Já o seu marido, não tinha obrigação alguma de manter os mesmos deveres que ela na relação.

Diferentemente do homem, a mulher não possuía nenhum valor social. Andando pelas ruas, elas tinham que manter distância dos homens, para não maculá-los. Até mesmo nas comunidades religiosas, ela era tida como um ser desigual e de segunda classe. À elas estava reservado um lugar à parte nos templos. Foi por motivos como estes que Jesus foi visto com maus olhos, até mesmo pelos seus discípulos, quando o viram conversando a sós com uma mulher multiplamente marginalizada: mulher, pobre, samaritana e de vida “dúbia”. Inadmissível para um homem como Jesus ser apanhado numa situação como aquela.

Historicamente, esta realidade não está registrada apenas no tempo de Jesus. A mulher hoje em nossa sociedade é tida ainda como um ser inferior. Até mesmo no campo profissional, elas recebem salários inferiores aos homens, mesmo exercendo funções semelhantes. A mulher segue sendo sinônimo de objeto de desejo dos interesses sexuais patriarcais machistas. Na instituição religiosa elas também não gozam de grande prestígio, seja no campo das tomadas de decisões, seja nos encaminhamentos do processo de evangelização, mesmo sendo elas aquelas que carregam as comunidades nas costas.

Festa da Anunciação. Deus escolhendo uma mulher para, através dela, dar início ao seu projeto. O mensageiro de Deus vem dar as coordenadas para aquela Mulher. Mesmo sem entender todo o processo, ela se coloca a disposição, sabendo que enfrentaria todo o preconceito e marginalização pelo simples fato de ser uma mulher. Maria é a Mãe de Jesus e nossa. Nesta pedagogia adotada por Deus, ao escolher uma mulher para entrar na nossa história, Ele nos ensina que o impossível se faz possível quando nos entregamos sem reservas como Maria: “Maria, então, disse: Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38)

“Maria era feliz porque ouviu a palavra de Deus e a pôs em prática; guardou mais a verdade de Cristo na sua mente do que o corpo de Cristo no seu seio”. (Santo Agostinho). Maria acreditou em Deus e se fez serva sua e das causas de Jesus no meio dos pobres. Maria da Libertação. Uma mulher pobre da periferia que se transforma na representante da comunidade dos pobres que buscam e esperam pela libertação. O desafio do ser cristão é ouvir a Palavra, conhecer para discernir na prática cotidiana o que Deus nos pede. A libertação entrou na história pela participação decisiva de uma grande mulher. Do ventre da Mãe nasce aquele que vai realizar uma história totalmente nova, onde os pobres terão vez, voz e viverão uma vida na plenitude no Ser de Deus. Ainda como diria Santo Agostinho: “Maria era bem-aventurada porque antes de dar à luz o Mestre na carne, o levou no seio”.