Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Terça feira da quinta semana da quaresma.
Já conseguimos vislumbrar no horizonte de nosso campo visual o contexto pascal, de quem deu a vida para que todos e todas tivéssemos a vida com toda a sua plenitude. O Ser divinizado se fazendo presença humanizada entre nós. Deus mesmo que vem estar com o seu povo e se fazer cristologicamente na pessoa imanente e transcendente do Filho. Como bem expressou o filósofo e teólogo francês Teilhard de Chardin (1881-1955): “Através da encarnação Deus desceu à natureza a fim de super-animar e de a levar de volta para Ele”.

Vivemos em tempos de Igreja Sinodal, por mais que algumas de nossas lideranças religiosas e outros celebrantes, não estejam em sintonia com esta proposta de Igreja provocada pelo Papa Francisco. Uma Igreja Sinodal: comunhão, participação e missão. Uma Igreja que quer “caminhar junto”, aproximando todos os segmentos, leigos, religiosos, padres e bispos, na laboriosa tarefa de viver e difundir o Evangelho. Como mesmo disse o pontífice: Construir um “mutirão de ações, para fortalecer a fé, incentivar a fraternidade, consolidar a alegria do evangelho na comunidade humana”.

Estamos findando o tempo litúrgico da quaresma. Tempo este sumamente importante para a Igreja se colocar numa atitude de conversão, fazendo uma profunda revisão de vida e de ação evangelizadora, para diminuir os sofrimentos dos empobrecidos que padecem com a fome, o desemprego, a falta de moradia, a carestia, o abandono por parte dos governantes. Uma Igreja que se converta e seja capaz de ouvir o clamor ensurdecedor dos pequenos, para que assim possa devolver-lhes a esperança, chamar as pessoas comprometidas para construir um mundo mais justo, igual e solidário, sinal do Reino de Deus acontecendo na história.

Entretanto, parece que este não é o propósito de certos “pastores”. No dia de ontem, por exemplo, vimos um deles se chafurdando com aquilo que há de pior em toda a nossa história de vida pública republicana. Em total inconformidade com a proposta revolucionaria do Evangelho, com as diretrizes e encaminhamentos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e com as normativas do pontificado do Papa Francisco. Lobos transvestidos em peles de cordeiros, fazendo ecoar as vozes odiosas de fascistas milicianos, da indiferença para com as vidas humanas perdidas na pandemia, e exaltação de covardes torturadores, ameaçando diuturnamente a nossa frágil democracia. Que vergonha saber que faço parte desta Igreja!

Mas Jesus segue soberano no seu propósito de encarar a cruz do martírio. A sua caminhada para Jerusalém segue no compasso do enfrentamento da realidade caótica do império judaizante, fazendo opção clara de estar ao lado dos sofredores e desmascarando a hipocrisia daquelas autoridades que se achavam os deuses do Olimpo. Mais do que uma discussão meramente filosófica, Jesus está deixando-se revelar quanto a sua origem divina. Ontologicamente Ele está afirmando com total convicção “Eu sou!” (Jo 8,24). Sem nos esquecermos que o termo que está relacionado à ontologia, vem do grego “ontos”, que quer dizer “ser” complementado com outro termo “logos”, que significa “estudo”. Assim, naquele contexto específico, a ontologia sendo utilizada para defender a existência de Deus. Jesus que se dá a conhecer a si mesmo (Eu sou), perante a resistência de uma casta que insiste em não querer saber e conhecer, como está dito nas palavras do monge beneditino Anselmo de Cantuária (1033 – 1109): “Não quero saber para crer, mas crer para saber“.

“Vós sois daqui debaixo, eu sou do alto”. (Jo 8,23) O ser imanente de Jesus que não se confunde com a realidade diferente daquilo que o Pai projetara. Revela a si e o Pai. Imanente e transcendente se misturam numa relação de intimidade com o Deus da vida. Realidade que ultrapassa a compreensão humana e adentra o campo do mistério. Por mais que não se queira acreditar, não há como deixar de entender que Ele existe e se faz conosco. Requer abertura de mente e coração para conviver com este mistério insondável. Quem se revela como luz do mundo nos alerta que o pecado que leva à morte é permanecer fechado neste mundo de baixo, isto é, dentro de uma realidade injusta. Jesus é a continuidade da presença certa e atuante do Deus do êxodo: “Eu Sou”. (Ex 3,14). Se ali, Ele liberta o povo da escravidão, aqui é Ele mesmo que conduz para uma vida nova, outro mundo. Mas passando pelas mazelas da cruz de cada dia, afinal não existe Ressurreição sem abraçar a cruz de Jesus e nossa.