Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Sábado da quinta semana do tempo pascal.
Mais um final de semana se aproxima. Maio vai dando passagem nos dias de nossa caminhada rumo ao horizonte de novas possibilidades. O tempo corre veloz. Logo estaremos em meados de mais um ano. Viver atentos ao tempo é o nosso maior desafio de não fazermos como a Carolina da música de Chico Buarque: “O tempo passou na janela só Carolina não viu”. Por onde passamos devemos deixar as nossas pegadas, vivendo intensamente cada instante, sabendo que este momento vivido não se repetirá jamais no mesmo tom.

Acordei nesta manhã com o coração em festa e a alma lavada. Depois de tantas expressões de carinho e afeto dos muitos amigos e amigas, a gratidão extravasou em meu coração, em forma de sentimento bom. Não há presente melhor, de saber que existem pessoas amáveis que se fazem presentes em nosso projeto de vida. Cada um e cada uma, que se solidarizaram com os meus 6.5 de estrada, deram a si mesmas como dádiva de Deus, fazendo-me lembrar de um dos sábios provérbios orientais: “O melhor presente que alguém pode dar a outrem, é a si mesmos como presentes na vida destes”. Foi exatamente desta forma que me senti presenteado no dia de ontem.

Estamos num sábado em que a liturgia católica nos faz pensar nas dicotomias da vida. Nosso existir é permeado de várias destas dicotomias: amor e ódio; claro escuro; guerra e paz; verdades e mentiras; vida e morte; certezas e incertezas; ser de mundo e ser de Deus, dentre tantas outras mais que vamos cruzando com elas ao longo do nosso processo histórico. Uma dialética infinda que vai dando motivação ao nosso caminhar pelas veredas de nosso plano existencial. Viver é desvendar o mistério de cada dia, na busca pela realização de nossos sonhos. A cada passo dado, vamos construindo o nosso caminhar. Como nos diria o filosofo grego Platão, A vida se faz na “dialética que é o diálogo entre interlocutores comprometidos com a busca da verdade, através do qual a alma se eleva, gradativamente, das aparências sensíveis às realidades inteligíveis ou ideias”.

Todavia, nesta dialética do diálogo entre as partes, cabe outro conceito filosófico muito peculiar. A filosofia instituiu o conceito que ela definiu como o “Princípio da não Contradição”. Resumidamente, segundo este princípio, uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Desta forma, uma formulação mais precisa do princípio seria que, é impossível predicar da mesma coisa, ao mesmo tempo, no mesmo sentido. Talvez seja esta ideia que Jesus está tentando convencer aos seus seguidores quando diz a eles: “Se fôsseis do mundo, o mundo gostaria daquilo que lhe pertence. Mas, porque não sois do mundo, porque eu vos escolhi e apartei do mundo, o mundo por isso vos odeia”. (Jo 15,19) Ser e pertencer ao mundo não é a mesma coisa que ser e pertencer ao projeto de Deus no seguimento de seu Filho.

Ser do mundo e ser de Deus, duas realidades distintas e incompatíveis para os seguidores de Jesus. Somos seres do mundo, mas não devemos nos apegar as coisas que nos afastam do projeto de Deus. O mundo se torna o espaço em que vamos consolidando ou não a prática da verdade fundamentada no espírito do amor. O mundo é o lugar em que os seguidores de Jesus, temos a possibilidade de construirmos as relações de amor, justiça, fraternidade, igualdade. Ternura, compaixão, perdão, misericórdia, como forma de alcançarmos a vida plena para todos. Quem assim pensa e age, atrai sobre si, o ódio daqueles que colocam os seus interesses pessoais e de classe em primeiro plano. Tal situação faz-nos lembrar de uma das frases enfáticas ditas por São Romero de América: “Em um país de injustiças, se a Igreja não é perseguida, é porque é conivente com a injustiça”.

Convivemos diuturnamente com o ódio e seus gabinetes sofisticados. Aliás, no nosso interior convivemos com estas duas realidades distintas: amor e ódio, dentre outras mais. Como no provérbio indígena, “Dentro de mim, existem dois lobos: O lobo do ódio e o lobo do amor. Ambos disputam o poder sobre mim. E quando me perguntam qual lobo é vencedor, respondo: O que eu alimento”. Como Jesus, devemos alimentar o lobo do amor. Diante do amor, os lobos que organizam a sociedade e seus adeptos reagem com ódio, pois não aceitam os valores do Evangelho. Desta forma, não existe possibilidade de conciliação entre o mundo e o projeto de Deus. O “mundo” não age por amor, mas por interesses. Os valores do Evangelho se fundamentam da defesa da vida plena para todos. Como nos dizia o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade: “Mundo mundo vasto mundo. Se eu me chamasse Raimundo. Seria uma rima, não seria uma solução”. Quais lobos você mais alimenta em sua vida?