Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor

Sábado da quarta semana da Páscoa.
Ainda somos movidos pelo espírito pascal. Fazemos a nossa caminhada acreditando na presença viva do Cristo Ressuscitado no meio de nós. Somos, portanto, novas criaturas. A morte não tem a última palavra. Deus ressuscitou o Filho para nos dizer que as forças da morte daqueles que a provocam, não prevalecerão sobre a vida. Deus é Senhor da história e da vida dos seus. O que prevalece é a vida, como bem resumiu São Paulo, em uma de suas cartas: “A morte foi engolida pela vitória. Morte, onde está a sua vitória? Morte, onde está o seu ferrão? O ferrão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei”. (1Cor 15,54-58) Depois que Cristo ressuscitou, nenhum tipo de morte terá a vitória final. Nenhum.

Um sábado que prenuncia o final de semana, mas que ainda repercute a sexta feira com a sua referência histórica perversa do Período Colonial. O povo negro sofre na pele uma abolição que nunca existiu na prática, mas funcionou como mera encenação teatral de uma classe hegemônica que não foi capaz ainda de ter empatia pelas causas negras. Enquanto isso, a população negra mais engajada, não vê o dia 13 de maio como uma conquista, mas como luto e luta. O verdadeiro dia a ser comemorado pelos afro-descendentes é o dia 20 de novembro, “Dia da Consciência Negra”. Ali sim, reverenciamos Zumbi dos Palmares com a sua luta pela libertação efetiva do povo negro. Escravidão esta que foi implantada no Brasil em 1535.

13 de maio é um dia em que a Igreja Católica é convidada a pedir perdão pela sua falta de empatia e lucidez histórica. Oportunidade de fazer um “mea culpa” por ter sido conivente com o massacre de negros e indígenas, durante o período colonial, sob o seu olhar complacente como afirma Dom José Maria Pires na homilia da Missa dos Quilombos: “No passado, ela (a Igreja) não se mostrou suficientemente solidária com a causa dos escravos. Não condenou a escravidão do negro, não denunciou a tortura de escravos, não amaldiçoou o pelourinho, não abençoou os quilombos, não excomungou os exércitos que se organizaram para combatê-los”. Ele ainda diz que “se Igreja houvesse estado presente na Senzala mais do que na Casa Grande, a história seria outra”, uma vez que a cabeça pensa e também sente o coração, a partir de onde os pés estão pisando.

Somos uma sociedade constituída a partir de uma herança colonial perversa. O que somos e o que pensamos, vem desta realidade histórica. Basta ver como os nossos indígenas, e a população negra, são vistos ainda hoje pelos nossos concidadãos. “Índio é aquele que não trabalha e ainda impede o progresso”. “Negros são seres inferiores que só servem para procriar”. Frases que nos fazem concluir que a ignorância é a sapiência dos néscios estúpidos. Frases que nos fazem lembrar o filósofo ateniense Sócrates que dizia: “Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância”. A superação destes anti-valores se dá pelo conhecimento. Conhecer para nos relacionarmos com o diferente que nos completa. O diverso de nós nos ajuda a conhecer quem realmente somos nós, e a que viemos. Formar unidade na diversidade dos valores e da vida é um dos desafios como seguidores de Jesus de Nazaré.

Se nos dias anteriores, a liturgia nos trazia um Jesus preocupado em descrever a sua relação de unicidade entre Ele e o Pai, neste sábado, somos convidados a refletir sobre a relação que Jesus estabelece com os seus seguidores, a quem os chama carinhosamente de amigos: “Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai”. (Jo 15,15) Ou seja, Jesus transfere para os seus amigos toda a amorosidade que existe entre Ele e o Pai. Os seguidores de Jesus somos seus amigos. Como diria Milton Nascimento, “Amigo é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito… dentro do coração”. Que alegria saber que podemos chegar neste grau de intimidade com Jesus e assim nos considerarmos seus amigos! Intimidade que também se faz na relação com o Pai a quem Jesus nos dá a revelar.

“Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei”. (Jo 15,9). Amor a toda prova. Amor que nos faz projetar o nosso ser neste mundo sendo guiados por este sentimento nobre de entrega e doação. Amor como dom que vem de Deus para orientar as nossas relações como irmãos e irmãs. Quem ama, perdoa! Quem ama se faz servidor! Quem ama cuida de si e do outro! Quem ama sabe ser generoso e solidário! Quem ama está sempre disposto a ser presença viva nas lutas pela vida! Quem ama não se arma! Quem ama constrói o novo dia com as armas da justiça, do direito e da paz! Somos parte do discipulado do amor. Somos descendentes do Deus da vida, cuja amizade com o seu herdeiro direto que, deu a vida pelos seus amigos, nos qualifica para a missão de sermos continuadores na tarefa de testemunhar o amor de Deus que quer dar vida a todos nós.