Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Segunda feira da vigésima nona semana do tempo comum. A Igreja está em festa. No dia de hoje, celebramos a memória de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir do final do século primeiro e início do segundo. Foi o sucessor de Pedro como bispo de Antioquia. Viveu num tempo em que ser seguidor de Jesus era estar preparado para a perseguição e morte, como muitos outros e outras que derramaram o seu sangue em martírio pelas causas do Evangelho. Foi literalmente jogado aos leões. Inácio faz parte da segunda geração dos Apóstolos, tendo conhecido São Pedro, São Paulo e São João, tornando-se discípulo deste último. Viveu a sua fé intensamente: “O meu amor foi crucificado e já não há em mim a chama que deseja as coisas materiais”.

O berço nascedouro do cristianismo é marcado pelo martírio. Somos discípulos e discípulas daquele que teve apenas três anos de vida pública. As forças da morte não toleraram ver a proposta do Reino trazida por Jesus. Mataram-no e também todos aqueles e aquelas que vieram atrás dele. O cristianismo não nasceu num berço de ouro nos grandes palácios. É da periferia das quebradas que veio o Salvador. Da periferia para o centro. A perseguição faz parte do itinerário do discipulado. Está no DNA daqueles que fazem o mesmo percurso de Jesus de Nazaré que até nos alertou: “No mundo vocês terão aflições (perseguições), mas coragem! Eu venci o mundo!” (Jo 16,33)

Não é de todo fácil fazer o mesmo caminho trilhado por Jesus. Aqui e acolá há os escorregões. A busca desenfreada por privilégios, regalias e cargos, faz parte do carreirismo de boa parte das lideranças religiosas de nossos tempos. A identificação com as causas dos pequenos, pobres e marginalizados fica apenas no plano das boas intenções e no discurso dos púlpitos das igrejas. Nosso bispo Pedro frequentemente nos dizia: “Se a Igreja esquece a opção pelos pobres, esqueceu o Evangelho”. Esta é a condição primeira como critério para ser fiel na caminhada com Jesus: ter um lado, o lado dos pobres. Uma luta muitas vezes inglória, que requer a nossa entrega total de vida pela opção de estar do lado dos pequenos. Opção esta que fez o padre Júlio Lancellotti assim se manifestar: “Eu não luto pra ganhar. Eu luto pra ser fiel até o fim”.

A justiça do Reino é o parâmetro central para que possamos fazer parte do discipulado de Jesus. Numa sociedade desigual, onde prevalece a injustiça social, somos chamados a ser construtores da igualdade, da partilha e da fraternidade. Isto por si só já implica em perseguições, por remarmos contra a correnteza da sociedade do acúmulo e da ganância. O cristão verdadeiro não adere ao sistema da desigualdade da sociedade, mas assume o compromisso inadiável de lutar ao lado dos pequenos. Santo Oscar Romero bem que nos disse: “Em um país de injustiças, se a Igreja não é perseguida, é porque é conivente com a injustiça”. Covardemente ela se alia aos poderosos e faz vistas grossas aos clamores dos marginalizados.

O evangelista São Lucas nos ajuda a compreender este processo com o texto da liturgia desta segunda feira. Nesta narrativa, Jesus faz uma revelação paradigmática: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens”. (Lc 12, 15) Um alerta direcionado àqueles e àquelas que fazem da ganância, do poder e do acúmulo da riqueza seus projetos de vida. O cristão seguidor de Jesus jamais poderá trilhar este caminho sem volta, colocando todo o seu ser naquilo que possuem. São aqueles que são aquilo que possuem. Ganância e acúmulo (concentração) que gera a desigualdade social. Conclusão a que chegou a Conferência Episcopal de Puebla no México (1979): “Ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres”. Contra estes profetizou Isaías: “Ai dos que inventam leis injustas […] para oprimir os pobres”. (Is 10,1)

O acúmulo de riqueza não deve ser a preocupação maior de quem passa por esta vida e quer ser coerente com os ensinamentos do Mestre. Jesus nos mostra que é uma grande insensatez a daqueles que só pensam em acumular bens como forma de assegurar a sua vida. A riqueza maior é aquela que vem de Deus como dom maior: a vida. Vence na vida não aquele que muito acumula, mas aquele que é capaz de promover a partilha, na perspectiva de uma “Economia Solidária”, como quer o nosso Papa Francisco. Contra uma economia da exclusão, “na geração de trabalho e na inclusão social, na forma de uma corrente do bem, que integra quem produz, quem vende, quem troca e quem compra. Seus princípios são autogestão, democracia, solidariedade, cooperação, respeito à natureza, comércio justo e consumo solidário”. A vida quer viver! Esse Francisco é o cara! Economia solidária com democracia, para voltarmos a ser felizes de novo! Nós é que vamos!