Quarta feira da terceira semana do tempo comum.

Seguimos em frente ainda desbravando o horizonte de incertezas. As notícias que nos chegam, sobre a saúde do nosso povo, não são nada alvissareiras. Em algumas de nossas cidades, o sistema de saúde encontra-se colapsado. Algumas informações dão conta de que 90% das pessoas internadas, são em consequência da não vacinação. A que ponto chegamos com tamanha incongruência, fruto da negação obtusa da ciência! Os negacionistas estão morrendo abraçados às suas nefastas convicções obsoletas. Um acreditar cego nos porta vozes da mentira e desinformação. Triste!

Cinco dias nos separam de entregar o mês de janeiro a fevereiro. Um dia todo especial para a minha história de vida pessoal. Este foi o dia que embarquei em São Paulo, decidido a fazer história na Prelazia de São Félix do Araguaia. Trinta e seis horas me separavam do encontro com o pastor desta Igreja. Uma ruptura feita a ferro e fogo, mas com o entusiasmo das minhas inquietações, em busca de uma radicalidade evangélica. O sacolejar nos três ônibus que tomei para aqui chegar, vasculhavam as minas entranhas, na busca do sonho de um horizonte fértil de fazer parte no jeito de ser Igreja deste cantinho esquecido do Brasil.

Milton Nascimento ia e vinha em minha memória, trazendo viva a sua canção “Travessia”: “Quando você foi embora fez-se noite em meu viver. Forte eu sou, mas não tem jeito. Hoje eu tenho que chorar. Minha casa não é minha e nem é meu este lugar. Estou só e não resisto, muito tenho pra falar”. Uma verdadeira odisseia para se chegar enfim a casa de Pedro, que me esperava de braços abertos. Antes disso, tive que passar por dentro das águas do último rio, antes de chegar à cidade onde Pedro morava. A ponte do Rio Capuchu, havia sido carregada pelas águas volumosas da chuva. “A ponte havia rodado”, como se diz por aqui. Ao contrario dos Hebreus na saída do Egito, molhamos todos.

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Deixar a periferia da cidade de São Paulo constituiu-se num verdadeiro desafio para aquele jovem sacerdote. Entretanto, o fato de trabalhar com um bispo que era um dos ícones dos Direitos Humanos e da Teologia da Libertação, era o sonho de consumo de todos nós, forjados ao som da Conferencia Episcopal de Puebla (México 1979) e nos acordes dissonantes da Teologia da Libertação. Além do que, sempre fui um, inquieto adepto da quebra de paradigmas, para estar além das fronteiras da evangelização. A palavra desafio, era conjugada em todos os tempos verbais de um religioso que não se contentava em viver sob a guarda protetora das instituições religiosas.

Senti-me na pele de cada um daqueles 72 discípulos escolhidos pelo Senhor, conforme é relatado no Evangelho desta quarta feira (Lc 10,1-9). “O Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir” (Lc 10,1). Evidentemente que não me sentia um auto-enviado, até porque sempre tive a noção clara de que Jesus é o enviado do Pai e, por este motivo, quem envia é Deus mesmo. Sentir-se auto-enviado é o mesmo que anunciar a si mesmo, sendo que nem, Jesus anunciou a si mesmo. A missão do envio é dom do próprio Deus que envia quem Ele quer e como quer.

Igreja que se faz no caminho. Aliás, esta foi inclusive a primeira designação dos primeiros cristãos seguidores de Jesus. Eles pertenciam a um grupo, denominado “do caminho”. Evangelizar é um ato que se dá no caminho. Num sair de si mesmo e ir ao encontro do outro que também está desenvolvendo o seu processo no caminho da vida. A missão do seguidor e da seguidora de Jesus é a de anunciar o Evangelho. Discípulos e discípulas são os anunciadores da Boa Notícia no caminho, num trabalho de realização dos atos que concretizam o Reino de Deus entre nós. Aqueles que não aderirem à Boa Notícia ficarão fora da Nova História, trazida pelo Projeto de Deus.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), disse em uma de suas entrevistas recentes que: “estamos vivendo o crescimento de um cristianismo torto”, numa ênfase acentuada da “teologia da prosperidade”. Um movimento que cresce assustadoramente e que ele denomina de “petencostalização” e “protestantização” da fé do povo, desvirtuando a missão originaria de Jesus de Nazaré. “Um cristianismo que não se baseia na solidariedade universal e na fraternidade é um cristianismo torto”, conclui Dom Walmor. Cristianismo libertador, que fez nosso bispo Pedro, assumir até as ultimas conseqüências a opção pelas causas dos empobrecidos do “Vale dos esquecidos”. Quando relatei a ele a façanha de ter atravessado as águas do rio e, ainda com as roupas molhadas, ele simplesmente disse para mim: “que bom! Assim você foi batizado nas águas do Mato Grosso! Bem vindo à Prelazia!