Sábado da vigésima sexta semana do tempo comum.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Primeiro final de semana do mês missionário. Sim, porque para a Igreja Católica, este é o mês missionário por excelência. Não que os outros não o sejam, até porque, somos seres missionários. Assim sendo, não somos desafiados a fazer missão, mas ser missão permanentemente como essência de nossa vida cristã. Ao sermos batizados, trazemos em nós a alcunha da missão que somos chamados a ser com Jesus de Nazaré. Portanto, a responsabilidade nossa é a de ser um com a pessoa de Jesus, desenvolvendo em nós as suas mesmas ações libertadoras na procura do Reino aqui e agora.

Um sábado que começou recheado de boas vibrações e energias aqui pelas bandas do Araguaia. Meu quintal amanheceu em forma de uma babel sincronizada da passarada em festa, ocupando todo o espaço verde a minha frente. Um ecumenismo invejável se fez presença na natureza em flor, cada qual dos ocupantes, degustando os frutos da época. A sinfonia de cantos múltiplos, numa profunda algazarra, fez despertar o espírito franciscano em mim, motivando-me ainda mais à oração, experimentando naqueles pequenos seres, a grandiosidade do Deus da vida presente em cada uma daquelas criaturas, já me antecipando ao “Poverrello de Assis”: “Onipotente e bom Senhor! A ti a honra, a gloria e o louvor!”

https://www.youtube.com/watch?v=5OFEmQ4-x68

Iniciando o mês missionário, nada melhor do que reverenciar a padroeira das missões, Teresa de Lisieux, O.C.D., mais conhecida como Santa Teresinha do Menino Jesus (1873-1897). Foi ela uma freira carmelita descalça francesa, que morreu ainda muito jovem, aos 24 anos. Tempo suficiente para marcar a história da espiritualidade do cristianismo, com a sua enorme contribuição. A espiritualidade desenvolvida por ela consistia mais na consciência de que a pessoa, mesmo na sua pequenez, acaba sendo divinizada pela Graça de Deus. Uma espiritualidade, cuja prática do amor a Deus não se baseava em grandes ações mirabolantes, mas em pequenos atos e gestos diários, aparentemente insignificantes, acostumada que era com as pequenas coisas da vida.

A essência da vida passa necessariamente pelas pequenas coisas da vida, pelos pequenos gestos, mas que muito significam, como Jesus mesmo nos demonstra através do texto da liturgia deste sábado. Uma das paginas mais belas de todo o Novo Testamento: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. (Lc 10, 21) Deus que é partidário dos pobres, humildes e pequenos, revelando a eles toda a essência do ser de Deus. A amorosidade de um Deus que muito ama e é capaz de divinizar os pequenos, fazendo com que eles e elas possam entrar em sintonia de vida e conhecimento com o ser amoroso de Deus.

Nada diferente do que foi a relação de amorosidade de Jesus com o Pai. Pai e Filho sendo um. “Eu e o Pai somos um”. (Jo 10,30) Uma realidade que o apóstolo Paulo soube muito bem captar em um de seus escritos, o “hino cristológico”, quando afirma: “Jesus tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens”. (Fl 2, 6-7) Jesus é o nosso modelo de plena humildade. Embora tivesse a mesma condição de Deus, Ele se apresentou entre as pessoas como um simples homem, abrindo mão de qualquer tipo de privilégio, tornando-se apenas homem que obedece a Deus e serve as pessoas. Este é também o legado daqueles e daquelas que se colocam como seguidores e seguidoras de Jesus, abrindo mão de todo e qualquer privilégio, até mesmo da boa fama, para pôr-nos a serviço dos outros, até o fim, doa a quem doer.

Estamos diante daquilo que a teologia cristã denominou de “Kenosis”, que trata do esvaziamento total da vontade própria, aceitando o desejo divino de Deus em nós. Deixar-nos sermos invadidos pelo desejo de Deus. “Kenosis” que é uma palavra que vem do grego, “kenoo” que significa “esvaziar” ou “tornar vazio”. Na realidade, trata-se de uma doutrina cristã que surgiu no século XIX, defendida por vários estudiosos da época, mostrando através do esvaziamento de si mesmo, assumindo a onipotência (Deus tem poder ilimitado), onisciência (Deus conhece tudo, passado, presente e futuro), onipresença de Deus (Ele está presente em todo lugar e ao mesmo tempo). Como o salmista mesmo nos retrata: “Tu me envolves por detrás e pela frente, e sobre mim colocas a tua mão”. (Sl 139,5) Nem todos conseguirão assumir a “dimensão kenótica” e deixarmo-nos sermos invadidos por Deus. Os sábios e inteligentes não são capazes de perceber em Jesus a presença do Reino. Só os desfavorecidos e pobres e esvaziados conseguem penetrar o sentido da atividade de Jesus e dar continuidade a ela num esvaziamento total, para que Deus seja em nós.