FRANCISCO (CHICO) MACHADO. Escritor e Missionário.

Dia de Finados.

Chegou o dia em que temos a oportunidade de fazer a memória daqueles e daquelas que já se foram. Temos motivos de sobra para trazer presente entre nós, os mártires que tiveram as suas vidas abreviadas. Parentes, amigos, conhecidos, desconhecidos, pessoas simples do meio do povo, que perderam as suas vidas. Basta ver aquilo que as estatísticas confirmam: o maior número de mortes está entre as populações mais vulneráveis: pretos, pobres, favelados, indígenas, quilombolas, pessoas em situação de rua… O vírus sendo celetista e passando longe dos jardins da “Casa Grande”.

O dia de hoje sempre me deixa acabrunhado. Em dias como estes, vem mais presente à memória a partida de minha progenitora e o meu guerreiro pai. Ela se foi ainda muito cedo de nossas vidas. Fez a sua páscoa aos 41 anos de idade, deixando para trás uma prole de 13 filhos. O “Mal de Chagas”, não poupou a vida daquela grande mulher, que teve o contato com o agente transmissor ainda na infância. Ele se foi um pouco mais tarde, mas também muito cedo. Nem, deu tempo de usufruir de sua tão merecida aposentadoria. Morreu próximo de mim, que cursava naquele período, o primeiro ano do curso de teologia.

A morte é um mistério insondável e surpreende a todos nós mortais. Por mais que ela esteja no horizonte da nossa existência, ainda assim relutamos em nos deparar com este fatídico dia. Vamos adiando o máximo que pudermos, para não dar de cara com ela. Nestas horas é melhor fortalecer as nossas convicções, recorrendo a nossa fé que nos assegura a máxima de que, “não vivemos para morrer, mas morremos para viver”. Assim sendo, Deus não nos cria com o objetivo de morrermos, mas ao contrário, para viver intensamente e na plenitude (Jo 10,10) Tanto é verdade que Jesus afirma com todas as letras: “A vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas que eu os ressuscite no último dia. (Jo 6,39)

O que nos acalenta é saber que, por mais dolorosa que seja, a morte não tem a última palavra, mas a vida! Entretanto, mesmo sabendo que a morte não se sobrepõe a vida, muitos de nós cristãos, não vivemos sob esta perspectiva. É como se vivêssemos no limiar do clima da Sexta-feira Santa, cultuando a crucificação de Jesus, nos esquecendo que o principal estava porvir, sua Ressurreição, quando Deus dá a sua palavra final, fazendo com que a morte não triunfasse sobre a Vida. Ao Ressuscitar o Filho, Deus manda um recado direto e explícito àqueles que tiraram a sua vida: Ele triunfou sobre a morte, sendo presença Viva do Cristo no meio da humanidade.

“O Ser humano é estranho… Briga com os vivos, e leva flores para os mortos; Lança os vivos na sarjeta, e pede um ‘bom lugar para os mortos’; Não liga, não abraça, não se importam com os vivos, mas se autoflagelam quando estes morrem… Aos olhos cegos do homem, o valor do ser humano está na sua morte, e não na sua vida”, assim disse o Papa Francisco, em uma de suas reflexões sobre esta temática. A morte acontece em apenas um único dia de nossas vidas. Nos demais dias que se sucedem, estão reservados para vivermos. Assim, vamos perdendo as chances que nos são dadas para viver intensamente, cada segundo do tempo presente nas nossas relações em sociedade, em família, muitas vezes deixando de expressar em palavras, em gestos concretos, o que realmente sentimos em relação às pessoas que amamos.

A morte é uma incógnita presente em nossa existência humana. Se para alguns de nós ela está relacionada às temáticas amedrontadoras e instigantes, não foi assim para São Francisco de Assis, que a chamava carinhosamente de “irmã morte”. Também num dos diálogos platônicos, referindo-se à “imortalidade da alma”, escrito por volta de 360 a.C., Platão narra os últimos momentos da vida do filosofo Sócrates. Antes de ingerir o veneno mortal (cicuta), a que fora condenado pelas autoridades atenienses, acusando-o de corromper a juventude, Sócrates prefere a morte a ter que pautar sua vida por critérios e valores definidos pelas leis da pólis grega.

“Viver e não ter a vergonha de ser feliz”, dizia Gonzaguinha em uma de suas canções. Mesmo estando rodeados pela morte que nos espreita, viver é a nossa sina e o desafio maior. Se a morte está no horizonte, não significa que devamos vê-la como um racionalismo fatalista das correntes que exaltam a predestinação, muito presentes em algumas hermenêuticas religiosas, que inclusive justificam a morte prematura de inocentes, como se estivessem presente nos anseios de Deus. Seiscentas mil vidas tiradas prematuramente do meio de nós, faz parte sim de um grande genocídio orquestrado. Não me venha colocar esta cifra nas contas de Deus, pois não foi para isso que Ele criou os seus. Conviver com este genocídio sem se indignar, é o mesmo que trazer nas próprias mãos o sangue de tantos inocentes, que anteciparam o seu retorno à Casa do Pai.

 

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