Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Sábado da Primeira Semana do Tempo Comum.

O final de semana chegou trazendo-nos a chuva. Em alguns lugares em maior profusão. Deus fazendo descer do céu a água de que tanto necessitamos e que gera a vida e faz nascer do chão o alimento necessário para todos os seres. Sem ela não há vida. Sem ela não somos nada e pereceremos todos. É preciso reconhecer e dar valor, como os indígenas que nos dizem sempre: “o waradzu (branco) é maluco, suja a água que eles mesmos vão beber”.

Rezei nesta manhã fria na companhia do som uníssono dos pardais, prenunciando a chegada de mais um dia. Vendo os pingos da chuva a cair de maneira quase uniforme, agradecendo a Deus pelo dom da vida e por estar aqui na convivência com os irmãos de sangue, reforçando os laços familiares. O mecanicismo rotineiro da faina diária tende a ir nos afastando uns dos outros, que precisamos encontrar tempo para regar as nossas relações. Como a chuva que vai regando o chão.

Regar as relações e cuidar de tudo e de todos, assim como Deus: “pois Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e faz cair chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,45). Deus agindo para conosco, cuidando de tudo e de todos, sobretudo daqueles que por Ele, se deixam cuidar. Aqueles que se abrem à perspectiva de Deus e por Ele se permitem engravidar como a Mãe, abrindo o seu útero para acolher a semente da vida, trazendo-nos o Deus Menino.

Meu pensamento vai longe e chega às estradas de meu Araguaia, que ora estão sendo castigadas pelas chuvas intensas. A terra vermelha sendo atingida pela água que desce do céu, nos 190 Km que ainda nos restam para alcançar o asfalto. Desta vez, houve a interrupção do tráfego, impossibilitando que as mercadorias cheguem à nossa região.

As chuvas que nos trazem vida e benefícios, traz também a tristeza e a morte. O Agro que não é nada pop, é o encarregado de disseminar a morte por onde passa o seu poderoso veneno. Solo, nascentes, peixes e animais são literalmente dizimados com o veneno que se espalha rapidamente, chegando à todos indistintamente. As chuvas se encarregam de disseminar o agrotóxico, como no caso do Povo Xavante que já teve o riacho que corta a Aldeia de Marãiwatsédé, contaminado por 64 tipos diferentes de veneno. O Agro é morte!

Ao contrário da morte, Jesus é pela. A vida é o maior dom que Deus nos deu. Nossa vocação é viver na intensidade com que Deus nos projetou neste mundo. Esta é a vocação de todos nós. Como diria Santo Agostinho, “viver sempre preparado para morrer, mas viver como se nunca fôssemos morrer”. Ter a vida como um chamado de Deus dirigido a cada um de nós especificamente. Um Deus que muito ama, nos chama pelo nome, como assim se expressou o profeta Jeremias: “Antes de formar você no ventre de sua mãe, eu o conheci; antes que você fosse dado à luz, eu o consagrei…” (Jer 1,5)

Deus nos chama para estar com Jesus. Jesus que nos chama para estar consigo, como chamou Levi, que o texto da liturgia hoje nos traz. Jesus não chama os perfeitos, mas pessoas que necessitam de serem cuidadas. Levi é o exemplo típico desta pessoa. Era ele um cobrador de impostos a serviço do poder romano dominador. Jesus que vai ao encontro dos pecadores e até se senta à mesa com eles, pois são eles os que mais necessitam de serem cuidados e trazidos de volta do mundo da marginalizacão e exclusão a que se encontravam. É esta lógica de Jesus que os escribas, fariseus e doutores da Lei não conseguiam entender.

Jesus que faz uso de uma sabedoria popular para justificar a sua atitude de chamar gente marginalizada: “Não são as pessoas sadias que precisam de médico, mas as doentes”. (Mc 2,17) Como enviado de Deus, Jesus busca as pessoas mais necessitadas para estar no seu convívio, afinal Ele veio anunciar aos pobres a Boa Nova do Evangelho. São as nossas fraquezas que nos aproximam de Jesus e não a nossa prepotência, arrogância e auto suficiência. É na nossa pequenez que nos fazemos fortes com Ele. Encontrarmo-nos com Jesus e com Ele caminhar, é a vocação de todos nós.