Segunda feira da Segunda Semana da Quaresma.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

A semana iniciando e nos levando em direção às nossas realizações, construídas com a nossa vontade e o desejo de ser felizes sempre! Conosco vai o Senhor da História, presente em nossa caminhada na pessoa do Filho que assim nos garantiu através do último versículo do evangelista Mateus: “Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo.” (Mt 28,20) Não estamos órfãos e nem abandonados a mercê da própria sorte, uma vez que Jesus está vivo e sempre presente no meio da comunidade, como o “Emanuel”, o “Deus-conosco”. De descendência divina, Ele é gente como a gente.

Rezei nesta manhã trazendo presente a vida de um saudoso bispo. No dia de ontem (05) fizemos a memória da páscoa de um dos nossos grandes prelados: Dom José Ivo Lorscheiter (1927-2007). Dom Ivo foi o sexto bispo diocesano da cidade de Santa Maria/RS. Esteve também na presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, em substituição ao seu primo Dom Aloísio Lorscheider. Exerceu o cargo de 1979 a 1987, num dos períodos mais turbulentos da história brasileira, em plena vigência da ditadura militar no país. Era chamado o “Profeta da Solidariedade.” Também recebeu a alcunha de “Cidadão do Mundo.” Naquela época já era taxado de esquerdista: “Se pergunto por que o pobre tem fome me chamam de Comunista”. Dom Ivo, presente!

Nesta segunda feira o grande imperativo que a liturgia nos suscita é uma fala dita por Jesus no Evangelho de Lucas que hoje refletimos: “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso”. (Lc 6,36) Ser como o Pai. Um desafio e tanto: ser como Ele. Ser pleno de misericórdia como Ele. A etimologia da palavra “misericórdia” tem a sua origem latina, e é formada pela junção de “miserere” (ter compaixão), e “cordis” (coração). “Ter compaixão com o coração”, ou seja, ter a capacidade de sentir aquilo que a outra pessoa está sentindo, aproximando seus sentimentos dos sentimentos de alguém, ser solidário com as pessoas. Deixar se tocar pelas coordenadas do coração. Misericórdia!

A regra de vida na perspectiva de Jesus é a regra do amor, do perdão, da misericórdia, assim como Deus age em relação a todos nós. Na concepção de Jesus não devemos nos deixar levar pelas regras morais, ou o que é pior, pelo moralismo. A proposta trazida por Jesus revoluciona o campo das relações humanas, mostrando que, numa sociedade justa e fraterna, as relações devem ser gratuitas, à semelhança do amor misericordioso do Pai. Diferentemente daquilo que propõe uma sociedade que se estrutura em relacionamentos de interesses e reciprocidade, gerando lucro, ganância, poder e prestígio. As relações da nova sociedade proposta por Jesus não há espaço para julgamentos e condenações, mas de perdão e de entrega gratuita. Só Deus pode julgar. Só Ele tem poder para tanto: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados.” (Lc 6, 37);

Deus nos julga com a misericórdia e a amorosidade que lhe é peculiar. Ele nos julga com a mesma medida que usamos para julgar os outros. Com a mesma medida que analisamos os outros, seremos assim analisados por Deus. Por este motivo é que Jesus nos pede que sejamos como Deus. Ser como Ele na nossa forma de nos relacionarmos com as outras pessoas. É desta forma também que Jesus nos ensinou a rezar o “Pai Nosso” e, às vezes, nem percebemos direito: “Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. (Mt 6,12)

A vida cristã exige amorosidade e gratuidade nas nossas relações. Ser como Deus é ser preenchido por esta mesma amorosidade que n’Ele sobra. Um Deus que prima pela misericórdia e quer a todos salvar, indistintamente. Uma vida sem amor, sem perdão e sem misericórdia não pode ser a de uma pessoa que diz seguir os mesmos passos de Jesus. O amor infinito que o Filho traz em si espelha toda a amorosidade presente no Pai. É este mesmo amor que pulsa em nosso coração e, na nossa estupidez, não deixamos que ele crie raízes em nós, delineando as nossas relações nesta vida. Nossa responsabilidade é grande e exige crescimento na fé para conviver com esta verdade dita por Jesus: “com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos”. (Lc 6, 38)