Dr. Miguel Ângelo. Médico, missionário e escritor.

Quando pensamos em socorro, pensamos em situação de risco, de vulnerabilidade .
O amor de Deus e sua misericórdia cuidou sempre da Maria( lembrando a mãe de Jesus) com o seu segundo nome “do Socorro”,  que nosso Pai, até hoje, lhe deu e a amparou , como em Mt 6,26-33“ Jesus revelou: “olhai as aves do céu…considerai os lírios do campo como  crescem…” Lc12, 37-28.

Essa nossa querida irmã, hoje tem um lar. Uma Instituição de longa permanência de idosos que a acolheu, porém continua, recordando no seu pensamento, tão somente no seu íntimo, assim como, em seu coração, alguns “segredos”.
Traz consigo sempre um ou dois pequenos sacos, que  com certeza, neles não cabem a sua dignidade, suas experiências, esperanças e saudades, nem as certezas todas de sua simbólica vida.
Todas as tardes, passa pelos corredores com janelas de vidros e grades que dão para vislumbrar o que seus olhos enxergam.
Ali, permanece um bom tempo do dia. Para ela é um pedaço do paraíso, que tão pouco tem.
Sempre excluída nas suas andanças e pousos de um passarinho de rua , geralmente, pertinho da mãe protetora, na praça 14, Nossa Senhora de Fátima.
A verdade da vida que leva é de pura fragilidade, humildade, miséria, docilidade e gentileza.
“Há criaturas como a cana: mesmo postas na moenda, esmagadas de todo, reduzidas a bagaço, só sabem dar doçura” (Dom Hélder Câmara)

Porém, o amor e a misericórdia divina, juntos com a blindagem do manto sagrado de Fátima,  o milagre da metamorfose diária, vai acontecendo. A transformação, renascimento como pássaro ferido que ressuscita (Fênix)!
Trocava suas “penas opacas de aparência exaurida“, por vestes, repetidas , mais cheias de vitalidade e voar atrás da sua liberdade.
Não à toa , o “paraíso” que escolhe todos os dias para ficar, tem a parede com vasos coloridos, um pergolado coberto de tubélias lilases, roseiras com rosas vermelhas chamativas, trazem a alegria para sua vida, a tranquilidade. Assim, ficando longe dos ruídos do prédio, a sua rotina tornava-a invisível. E o vermelho das rosas e todo cenário, proporciona o amor aconchegante,  desses todos  sacramentais que falam de Deus.
Porém, parece faltar algo , pois seus companheiros, tão fiéis, permanecem ao seu lado, como sacos brancos, sempre. Seria a liberdade maior, gerando paz interior em vez de dores?
O espaço que caminha é um quadrilátero, onde antes, não tinha limites no voar, agora é prisão? Paradoxos imperceptíveis para muitos.

No meio da tarde , recentemente, quebrei meus medos de não ser aceito  por ela e, passando pelo tal corredor, abri a porta  de seu paraíso. Cumprimetei-a,  elogiei o espaço.
Ela , sentada no banco de cimento com a cobertura das tubélias. Perguntei se podia sentar -me ao seu lado, onde aconteceu o nosso primeiro encontro.
“ OS ENCONTROS SÃO FEITOS DAS MAIS DIVERSAS QUÍMICAS, ÀS VEZES CONSTRUÍDA SIMPLESMENTE A PARTIR DE UM OLHAR, OU DA SOMA DE PEQUENAS SITUAÇÕES COTIDIANAS, QUE MUDAM A DIREÇÃO DE NOSSAS VIDAS “
NUNCA SAÍMOS DE UM ENCONTRO DA MESMA FORMA QUE ENTRAMOS.
(Soluções de palhaços).

Pouco depois do início dessa aliança na presença de Deus, pergunto  se ela tinha uma espiritualidade, uma religião. Disse-me que era católica com o tom balsâmico.
Pedi licença, com uma despedida   carinhosa.
Em seguida, comecei a fotografar o espaço/paraíso, mas garantindo  que ela não  aparecesse.  Maria ficou me observando, entendi que queria uma foto. Então,concretizado seu desejo, mostrei para Maria como ficará a foto e perguntei se tinha gostado. Ela , esboçando um sorriso, me diz que sim.
Irei fazer uma surpresa , vou imprimir a foto e lhe presentear.
Continuando,  antes de me retirar do seu paraíso, perguntei se gostaria  de um terço. Positivamente, respondeu. E, no dia seguinte, procurei-a no seu local predileto, mas não a encontrei. Era dia muito chuvoso. Tinha preparado uma caixinha linda para colocar
o terço.
Mais tarde, entregando para ela, sugeri guardar no seu espaço sagrado ou colocar no pescoço. E que depois, iria registrar esse momento com outro “retrato.”
Vi a gratidão estampada no seu rosto e o sorriso meigo, com muitos espaços vazios na boca, semelhantes às lacunas de sua vida!

Siga firme, Maria, como a mãe de Jesus, com fé, confiança e resiliência, até a morte, que é a grande esperada vitória sobre a cruz!
Siga firme Maria das Dores! *Caminhe com tua singeleza e alcance tua santidade !
Que a sociedade atual tenha olhos e ouvidos para perceber outras Marias das Dores e Joãos , com os seus aprendizados de vida! Gratidão, Maria, pelo nosso encontro, pois, não terminei esse nosso primeiro, do jeito que iniciei.