Hoje eu falo de ti, meu padroeiro, pelo que, hás de compreender essa linguagem coloquial. Aliás, teu destaque nos relatos dos parceiros evangelistas, Pedro, é justamente a tua rudeza. E é nesse pormenor que me debruço por horas e horas, a tentar entender os mistérios do Cristo que te encontrou e te chamou para o discipulado e depois o apostado lá no Mar da Galileia, até a tua designação para chefiar a implantação das ideias do Nazareno no mundo todo. Ah, meu caro Pedro, estou a vê-lo com André, naquela tarde inóspita no Genesaré, partindo de Cafarnaum, distanciando-se da tua casa, na precária embarcação remendada, cruzando Betsaida, a tua cidade natal, seguindo até Tiberíades, no outro lado do lago que, a ti, era mesmo um mar. Mas o que te aprazava, em dias de calmaria, era descansar os olhos sobre a planície de Genesaré e os rochedos escarpados nos trechos sem praias. Era por ali que te contorcias de preocupação quando o tempo se fechava e o vento dava o ar da graça. Não era medo, que não o tinhas, e sim a preocupação com a família que de ti dependia – Jonas, o pai, a mulher, a sogra, por quem te desvelavas. E os amigos que pescavam para a sobrevivência. Ah, Pedro, já eras um líder. Nada mais natural, então, quando conheceste aquele moço estranho, que dizia coisas perturbadoras e mais estranhas ainda, que te tornasses o primeiro discípulo escolhido por Ele. E ouviste extasiado: – “Segue-me”. E tu o seguiste. E foste parte de cenas memoráveis, como a visão de Jesus caminhando sobre as águas açoitadas pelo vento no Mar da Galileia. Ou na distribuição dos pães e peixes à multidão faminta. Impetuoso, como te mostraste em vários momentos, e inspirado, como na tarde em que exclamaste: – “Como é bom, Senhor, estarmos aqui!…” Sim, previsível que, depois de enfrentar à espada um dos que estavam a aprisionar teu Senhor, haverias de hesitar e demonstrar temor, até que ouvisses o cantar noturno do galo. E te recordasses do Senhor amável que pouco antes partilhara o pão na derradeira ceia. Mas, se as lágrimas são salgadas, as tuas, do mais contrito arrependimento, se mostraram um oceano de ardor pelo Mestre coroado de espinhos e crucificado, que ditara teu destino: – “Tu és Pedro. E sobre essa pedra edificarei minha Igreja. E os poderes do inferno não prevalecerão sobre ela…”